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Lobisomem que se atreva: no Alto do Cheiro, quem manda é Zé de Antero


Essa história é daquelas de deixar o queixo caído, que só rolam no interiorzão, com aquele jeitão que mistura causos, risadas e um tiquinho de medo. Tudo aconteceu num fim de semana de dezembro de 2008, lá no povoado Alto do Cheiro, em Riachão do Dantas, Sergipe. Fui parar ali a convite do meu parceiro de longa data, Zé de Antero, pra curtir um dia na roça, com direito a comilança e muita prosa.

Chegando na cidade, já entrei no clima. Tava tocando uma música do Zetinha forrozeiro danado da região, e não resisti: fui logo visitar a igreja de Nossa Senhora do Amparo, a padroeira. Enquanto admirava o lugar, lembrei de uma história triste que o povo ainda comenta. Em 1966, um garotinho chamado Augusto Sérgio, que tocava o sino durante a missa, caiu da torre da igreja bem na hora da elevação. Levaram o menino pro hospital em Lagarto, mas ele não resistiu. Até hoje, essa tragédia mexe com o coração dos riachãoenses.

Agora, deixa eu te contar sobre Riachão do Dantas, que já teve seus cinco minutos de fama por causa do Bode Bito. Sim, um bode! Esse bichinho era tipo celebridade: vivia solto pelas ruas, curtia uma festa, assistia missa e até acompanhava enterros, como se estivesse dando o último adeus. O povo mimava o Bito, dava comida, leite na mamadeira, tratava como rei. Mas aí, veio uma ordem judicial e trancaram o coitado num curral. Diz o dono, Joélio, que o bode ficou deprimidão, sem comer direito. Sorte que a juíza retrocedeu, e o Bito ganhou a liberdade de novo. Hoje, ele é homenageado com uma estátua na saída da cidade. É ou não é um lugarzinho especial?

Deixamos a cidade pra trás e pegamos uma estradinha de terra, com cercas, plantações e uma poeira daquelas que grudam na alma. Chegamos ao Alto do Cheiro, onde Zé de Antero e sua esposa, Maria de Anita de Tonho da Onça, já estavam com tudo pronto pra nos receber. A casa era uma delícia, com aquele clima acolhedor de roça. No quintal, um mundaréu de mandioca, macaxeira, abacaxi, maracujá e mamão. No alpendre, uma mesa de madeira de jaqueira lotada de petiscos, cachaça de alambique, limão e caju pra acompanhar a “bicada”. Os amigos Catolé, Mutuca e Badeco já estavam lá, de olho na pinga, com aquele sorrisinho de quem não resiste à água que passarinho não bebe.

A comilança? Meu amigo, era de lamber os beiços! Galinha caipira, carne cozida, porco assado na brasa, feijão-tropeiro, fava, pirão, arroz, suco natural e, claro, um molho de pimenta-malagueta pra dar aquele fogo na língua. As mulheres da casa – Marielze, Anita, Maria do Carmo e Bezita – comandavam o fogão a lenha, e o cheirinho que saía das panelas era de fazer qualquer um salivar.

Zé de Antero, o dono da festa, é daqueles que não deixam o papo esfriar. O homem fala pelos cotovelos, se gaba de tudo e jura que já fez onça correr, espantou lobisomem e até botou alma penada pra correr. Ele contava essas façanhas da juventude, quando saía pra caçar à noite. No interior, o povo jura de pé junto que lobisomem dá as caras na Quaresma, e Zé de Antero não cansava de reforçar isso.

O dia voou entre risadas, comida farta e até um karaokê improvisado. O anfitrião cantou músicas de Evaldo Braga, Catolé soltou a voz com Unha Pintada, e Badeco foi de Adelino Nascimento. As mulheres faziam o backing vocal e, de quebra, ajudavam a dar cabo do estoque de cerveja. Maria de Anita, coitada, perdeu a noção com o Campari. Virou uma esponja humana e precisou ser levada pelo marido pra tirar um cochilo na camarinha.

Quando passou da meia-noite, Zé de Antero, já com o tanque cheio de cachaça, reclamou do calor e resolveu dormir numa rede no alpendre, que era mais fresquinho. A casa tava lotada – filhos, noras, netos, amigos –, todo mundo espalhado em colchonetes e esteiras no interior da casa. Zé de Antero ficou lá fora, sozinho.

De repente, na madrugada, o bicho pegou! Os cachorros começaram a latir como se o mundo fosse acabar. Parecia que tavam enfrentando algo, com coragem danada. Um rosnar forte rondava a casa, e os latidos só aumentavam. Zé de Antero acordou meio zonzo, assustado, gritando pra abrirem a porta. Mas quem teve coragem? Ninguém! O homem, apavorado, saiu correndo mato adentro, pedindo socorro. Ele jura até hoje que era lobisomem. Mas, cá entre nós, podia ser só um boi solto por aí, né?

Quando o sol raiou, Zé de Antero voltou, todo sem graça, mais desconfiado que gato molhado. E não é que o homem tava... digamos, “cagado”. Ninguém sabe se foi o susto que o suposto lobisomem causou ou a mistura da comilança do dia anterior. O que sobrou foi a zoação: o valentão que botava lobisomem pra correr acabou correndo dele!

E assim foi aquele dia, cheio de histórias, risadas e um pouquinho de mistério, como só a roça sabe oferecer.

 

Genílson Máximo  

28 de novembro de 2023