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quinta-feira, 19 de junho de 2025

O CENTENÁRIO DE GERVÁZIO GOMES DE SOUSA (1925-2025), SEU VAVÁ DA SORVETERIA


O tempo era a década de 1980, o povo brasileiro movido pelo sentimento de liberdade a passos largos, derrotava a criminosa e famigerada Ditadura Civil/Militar (1964-1985), Estância, “Berço da Cultura Sergipana” nesse processo se colocou como uma potente lamparina a iluminar o caminho, ainda cheio de dúvidas e incertezas rumo à democracia. 

Nessa época eu era um menino praiano de “calças curtas”, que sempre acompanhava minha mãe, dona Joaninha, uma catadora de mangaba, à sede do município, para ajudá-la como vendedora na pedra (venda de frutas na rua), e meu pai seu Bezinho, um roceiro-praiano, na comercialização de peixes e coco, na feira livre.

Foi assim que conheci o proprietário da Sorveteria Branca de Neve, Gervásio Gomes de Sousa (seu Vavá), ali era o local que dezenas de praianos e praianas pobres, que chegavam a zona urbana para venderem coco, crustáceos, mangaba, peixes salgados, reuniam-se para fazer o desjejum, com pães, manteiga e refrescos de cambuí, murici, mas principalmente de mangaba.

Lembro-me da primeira vez que o vi, era uma manhã de segunda, aquele homem maduro e magro, vestindo uma camisa social clara, com voz rouca, certamente pela ação dos anos como bem disse o genial Gilberto Gil, na canção “tempo rei”, todavia era ele quem dava a palavra final, era o comandante em chefe do estabelecimento.

A história como “mestra da vida”, encarregou-se de me aproximar de seus filhos, na área da educação, pois tive o privilégio de ser aluno dos grandes mestres estancianos: Everaldo Marques de Sousa (prof. Branco) de inglês, na Escola Municipal João Nascimento Filho; e Rubens Marques de Sousa (prof. Dudu) de história, no Colégio Sen. Walter Franco.

E foi a partir da convivência com os seus filhos e, principalmente, com o renomado professor Dudu, dirigente sindical aguerrido e ideólogo da fundação do Partido dos Trabalhadores, na terra de Alina Leite Paim (1919-2011), que tomei conhecimento da trajetória de vida de seu Vavá, que, diga-se de passagem, uma trajetória marcada pela coragem e pela superação.

Descendente de Jacinto Gomes de Sousa e de Maria Joaquina de Sousa, nasceu no povoado Poço dos Bois, Cedro de São João, no dia 19 de junho de 1925. Casou-se com dona Maria Helena  Marques de Sousa (1930-1993) e tiveram ali mesmo o primogênito Armando Marques de Sousa, de uma prole de 12 filhos que chegaram à idade adulta. Trabalhava duro na roça e como tropeiro, conduzindo juntas de burros para vender cachaça e farinha nas feiras das cidades da região.

Com esposa, filho e pouca chuva, a sobrevivência era difícil, por isso resolveu tomar a decisão de deixar a terrinha natal, o objetivo era melhorar de vida. Com o vigor da juventude e após meditar bastante, em 1947, aos 22 anos, como num recital da canção de Luiz Gonzaga (1912-1989), a Triste Partida, virou retirante e rumou para a “Princesa do Piauitinga “.

Em Estância, teve como primeira moradia uma casa na rua do Areal, bairro Santa Cruz, onde instalou uma bodega, que deixava sob a responsabilidade da esposa, para seguir como tropeiro, percorrendo engenhos, sobretudo em Santa Luzia do Itanhi. Depois se mudou para as imediações da loja do G.Barbosa e iniciou no ramo de sorveteria.

Algum tempo depois, vendeu essa residência e comprou uma outra na rua Francisco Camerino, 269, no centro da cidade, que até hoje pertence à família. Nessa época, adquiriu também um boteco de madeira, defronte ao tradicional Mercado da Farinha, onde construiu a Sorveteria Branca de Neve.

Com dona Maria Helena teve uma extensa prole: Armando (In memoriam), Gileno, Alberto (Beto), Fernando - Preto (In memoriam) Everaldo - Branco, Ivone, Rubens - Dudu, Luiza, Carlos - Cacá,  Célia - Cecé, Edson - Tinho, Roberto - Robertinho, todos “Marques de Sousa”. Quando enviuvou, em 1993, passou a conviver com Nicélia Mazê, e dessa relação adotou Jones Sousa e teve Roberta Sousa e Túlio Sousa.

Alfabetizado em casa, por sua esposa, que lhe ensinou a ler, a escrever e a contar, com inteligência e a ajuda de seu Odilon (mecânico) aprendeu a consertar máquinas de produção de picolé e de fabricação de barras de gelo, ensinando a arte da refrigeração a vários de seus filhos: Armando, Alberto, Fernando, Carlos e Robertinho.

Jogou no América de Propriá, por um breve período, foi auxiliar técnico do competente treinador, Edigar Barreto, na memorável campanha do Azulão do Piauitinga, no pentacampeonato sergipano, entre 1956 e 1960, cultivando desse período grandes amizades, que lhes renderam compadrismos com os craques Alcides José dos Santos - ABC (1925-2025) e João Evangelista dos Santos  - Tarati (1934-2008)

No dia 17 de setembro de 2009, realizou a sua páscoa definitiva, aos 84 anos, foi sepultado no Campo Santo de Nossa Senhora da Piedade, num ato bastante emocional, que contou com a presença de familiares, amigos e do governador de Sergipe Marcelo Déda Chagas (1960-2013). 

Homenageado com um nome de rua, no bairro Botequim, rememorar o seu legado de honestidade, dedicação à família e ao trabalho, no seu centenário, em 19 de junho de 2025, é valorizar a pessoa humana do povo, que com coragem, disposição e o suor do rosto contribuiu para o soerguimento da contemporaneidade nas plagas do Piauitinga.


Seu Vavá, presente!


José Domingos Machado Soares 

(Dominguinhos)

Professor

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Estância, berço da tradição: a força cultural que faz do São João um patrimônio vivo

 

Os festejos juninos de Estância, em Sergipe, não são apenas uma celebração popular; são uma manifestação cultural profundamente enraizada, passada de geração em geração como um verdadeiro legado. Em cada família estanciana, o São João é mais que uma festa — é identidade, é pertencimento. Essa herança cultural se perpetua há décadas, consolidando Estância como a cidade que abriga o mais autêntico e cultural São João de todo o Nordeste brasileiro.

Um dos maiores símbolos dessa tradição é o célebre Barco de Fogo, artefato pirotécnico criado há mais de meio século pelo fogueteiro Chico Surdo. Essa invenção singular não apenas iluminou os céus de Estância, mas também projetou a cidade para o cenário nacional, conferindo-lhe o título de "Capital Brasileira do Barco de Fogo". O impacto dessa criação foi tão significativo que chamou a atenção das principais redes de televisão do país, como Globo, Record, SBT e Rede TV, que registraram e divulgaram esse espetáculo único.

O São João pulsa no DNA do povo estanciano. Durante a temporada junina, os fogueteiros, que normalmente exercem profissões como pedreiros ou pescadores, dedicam-se com paixão à confecção de fogos como o buscapé, a espada e, claro, o barco de fogo. Este trabalho artesanal não apenas mantém viva a arte da pirotecnia local, mas também oferece uma fonte adicional de renda, fortalecendo o tecido econômico da comunidade.

Não se pode falar dessa cultura sem reverenciar aqueles que ajudaram a moldá-la. Fogueteiros lendários como Seu Valdir, Zé do Pó, Tonho Lixa, Nininho, Unaldo Fogueteiro, João Lima Fogueteiro, Dona Carlota, Chico Surdo, Tozinho, Zé Gaiatinho, Nide, Seu Osvaldo, Kekeu Fogueteiro, Bebeça, Zé Valter, José Osvaldo, Cride, Carlinhos Fogueteiro, Professor Dió, Albérico e o icônico Barba Roxa construíram um legado que ilumina cada arraial e emociona cada espectador.

O som inconfundível da sanfona, do zabumba e do triângulo é a trilha sonora que embala essa celebração. Nas mãos de mestres da música, esses instrumentos transformam as festas em experiências inesquecíveis. Artistas como Rogério Cardozo, Zedinato, Toinho do Triângulo, Cebinho, Jorge Maravilha, Raimundo de Jacó, Badinho, Zé Taquary (in memoriam), Fábio de Estância, Zé Carlos do Trio Mandacaru e Fabinho do Acordeon, além de Gonçalo do Acordeon, mantêm viva essa rica tradição musical. Suas apresentações animam arraiás, feiras, povoados e palcos por toda a cidade, onde canções como “Estância, Forró e Folia” e “Chap-chap”, da compositora Raimunda Andrelina, ecoam com orgulho e alegria.

Estância é também um celeiro de poetas, cantadores e agentes culturais, cujas contribuições enriquecem ainda mais a festa. Figuras como Zequinha Repentista, Zé Preá do Reisado, Dona Zefinha da Batucada, Michele da Batucada e Nem Repentista do Santo Antônio representam a alma vibrante de um São João que é, indiscutivelmente, o mais cultural do Brasil.

O sucesso dos festejos juninos de Estância é fruto do talento, da dedicação e da paixão de todos esses personagens. Cada fogueteiro, cada músico, cada artista popular e cada morador da cidade contribui para que essa tradição continue a encantar e a inspirar, ano após ano.

A quem ainda não conhece, fica o convite: venha viver o São João de Estância! E para quem já conhece, não há dúvida — aqui se volta sempre, porque esta festa é inesquecível.

 



Em 05 de junho de 2025.

Parabólica News.

domingo, 20 de abril de 2025

Estância celebra 177 anos com conquistas históricas e um futuro promissor

 

No dia 4 de maio, o município de Estância, em Sergipe, comemora 177 anos de elevação à categoria de Cidade com um vibrante sentimento de orgulho e renovação. Com mais de 70 mil habitantes, a “Cidade Jardim”, como foi carinhosamente batizada pelo Imperador Dom Pedro II, celebra não apenas sua rica história, mas também um presente de progresso e um futuro repleto de perspectivas. Pioneira na radiodifusão no interior sergipano, sede da Diocese regional, berço do jurista Gumercindo Bessa e lar temporário do escritor Jorge Amado na década de 1930, Estância é um marco cultural e histórico que se consolida como um dos polos de desenvolvimento mais dinâmicos do estado.

Um legado de conquistas e novas vitórias

Sob a liderança do prefeito André Graça, Estância vive um momento de transformação, com avanços significativos em apenas poucos meses de gestão. O município tem atraído investimentos expressivos, com a chegada de empresas como Fibrotec, Radiante e Atakarejo, além de negociações avançadas com outros grupos empresariais. Essas iniciativas ampliam as oportunidades de emprego, atendendo a uma das maiores aspirações da população e consolidando Estância como um polo econômico em ascensão.

Na educação, a cidade celebra a conquista do campus da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e se prepara para a construção da Unidade de Ensino do Senac, com obras previstas para o segundo semestre. Além disso, o apoio a 20 estudantes estancianos bolsistas no curso de medicina reforça o compromisso com a formação acadêmica, posicionando Estância como referência em acesso à educação no estado.

Infraestrutura moderna e qualidade de vida

A infraestrutura também reflete o ritmo acelerado de desenvolvimento. Obras como a revitalização da Orlinha de Todos e da Praça Rosa Siqueira, a urbanização do Loteamento Cosme Damião, a segunda etapa do Loteamento Sonho do Leste e a construção da Escola Humberto Ferreira no litoral estão transformando a cidade. Projetos de lazer, como a nova quadra e praça no Conjunto Valadares e o Centro Turístico do Porto do Mato, reforçam o compromisso com o bem-estar da população.

A modernização da iluminação pública, com a substituição de luminárias por lâmpadas de LED, já começou, iniciando pelo Largo Mário Batista com um investimento inicial de R$ 250 mil. Essa iniciativa garante mais segurança, economia e beleza as vias urbanas. Em parceria com a Codevasf, mais de 10 ruas receberam recapeamento asfáltico, totalizando 12 mil m² e investimentos superiores a R$ 1 milhão, promovendo maior mobilidade e conforto.

Turismo e cultura: o coração de Estância

No turismo, Estância brilha com a chamada “indústria sem chaminés”. Eventos como o Carnaval no Litoral, o Verão Sergipe, os Jogos de Verão e o Campeonato Nacional de Surf (CBSuf) têm movimentado a economia local, gerando renda, visibilidade e fortalecendo o comércio. Essas celebrações destacam a rica identidade cultural estanciana, atraindo visitantes e valorizando as tradições que fazem da cidade um destino único.

Um futuro brilhante enraizado na história

Ao celebrar 177 anos, Estância vive um momento de renovação e otimismo. As políticas públicas voltadas para o crescimento sustentável, a inclusão social e a valorização cultural refletem o compromisso com o progresso sem perder de vista as raízes que moldaram sua identidade. Cada conquista – seja na geração de empregos, na modernização urbana, na educação ou no turismo – é um passo rumo a um futuro ainda mais promissor.

Neste 4 de maio, Estância se une em festa para brindar suas vitórias e projetar novos horizontes. A cidade, que já foi povoado de Santa Luzia do Itanhy, hoje é um símbolo de resiliência e inovação. Com orgulho de seu passado e confiança no porvir, Estância presenteia seus cidadãos com a promessa de um futuro de sucesso, consolidando-se como um verdadeiro tesouro sergipano.

 

 

Por: Genílson Máximo

sábado, 12 de abril de 2025

No Alto do Cheiro, até lobisomem corre de Zé de Antero


Essa história é daquelas de deixar o queixo caído, que só rolam no interiorzão, com aquele jeitão que mistura causos, risadas e um tiquinho de medo. Tudo aconteceu num fim de semana de dezembro de 2008, lá no povoado Alto do Cheiro, em Riachão do Dantas, Sergipe. Fui parar ali a convite do meu parceiro de longa data, Tonho de Antero, pra curtir um dia na roça, com direito a comilança e muita prosa.

Chegando na cidade, já entrei no clima. Tava tocando uma música do Zetinha, aquele forrozeiro danado da região, e não resisti: fui logo visitar a igreja de Nossa Senhora do Amparo, a padroeira. Enquanto admirava o lugar, lembrei de uma história triste que o povo ainda comenta. Em 1966, um garotinho chamado Augusto Sérgio, que tocava o sino durante a missa, caiu da torre da igreja bem na hora da elevação. Levaram o menino pro hospital em Lagarto, mas ele não resistiu. Até hoje, essa tragédia mexe com o coração dos riachãoenses.

Agora, deixa eu te contar sobre Riachão do Dantas, que já teve seus cinco minutos de fama por causa do Bode Bito. Sim, um bode! Esse bichinho era tipo celebridade: vivia solto pelas ruas, curtia uma festa, assistia missa e até acompanhava enterros, como se estivesse dando o último adeus. O povo mimava o Bito, dava comida, leite na mamadeira, tratava como rei. Mas aí, veio uma ordem judicial e trancaram o coitado num curral. Diz o dono, Joélio, que o bode ficou deprimidão, sem comer direito. Sorte que a juíza voltou atrás, e o Bito ganhou a liberdade de novo. Hoje, ele é homenageado com uma estátua na saída da cidade. É ou não é um lugarzinho especial?

Deixamos a cidade pra trás e pegamos uma estradinha de terra, com cercas, plantações e uma poeira daquelas que grudam na alma. Chegamos ao Alto do Cheiro, onde Tonho de Antero e sua esposa, Maria de Anita de Zé da Onça, já tavam com tudo pronto pra nos receber. A casa era uma delícia, com aquele clima acolhedor de roça. No quintal, um mundaréu de mandioca, macaxeira, abacaxi, maracujá e mamão. No alpendre, uma mesa de madeira de jaqueira lotada de petiscos, cachaça de alambique, limão e caju pra acompanhar a “bicada”. Os amigos Catolé, Mutuca e Badeco já tavam lá, de olho na pinga, com aquele sorrisinho de quem não resiste a uma boa dose.

A comilança? Meu amigo, era de lamber os beiços! Galinha caipira, carne cozida, porco assado na brasa, feijão-tropeiro, fava, pirão, arroz, suco natural e, claro, um molho de pimenta-malagueta pra dar aquele fogo na língua. As mulheres da casa – Marielze, Anita, Maria do Carmo e Bezita – comandavam o fogão a lenha, e o cheirinho que saía das panelas era de fazer qualquer um salivar.

Tonho de Antero, o dono da festa, é daqueles que não deixa o papo esfriar. O homem fala pelos cotovelos, se gaba de tudo e jura que já fez onça correr, espantou lobisomem e até botou alma penada pra se mandar. Ele contava essas façanhas da juventude, quando saía pra caçar à noite. No interior, o povo jura de pé junto que lobisomem dá as caras na Quaresma, e Tonho não cansava de reforçar isso.

 O dia voou entre risadas, comida farta e até um karaokê improvisado. Tonho mandou um Evaldo Braga, Catolé soltou a voz com Unha Pintada, e Badeco foi de Adelino Nascimento. As mulheres faziam o backing vocal e, de quebra, ajudavam a dar cabo do estoque de cerveja. Maria de Anita, coitada, perdeu a noção com o Campari. Virou uma esponja humana e precisou ser levada pelo marido pra tirar um cochilo na camarinha.

Quando passou da meia-noite, Tonho, já com o tanque cheio de cachaça, reclamou do calor e resolveu dormir numa rede no alpendre, que era mais fresquinho. A casa tava lotada – filhos, noras, netos, amigos –, todo mundo espalhado em colchonetes e esteiras. Tonho ficou lá fora, sozinho.

De repente, na madrugada, o bicho pegou! Os cachorros começaram a latir como se o mundo fosse acabar. Parecia que tavam enfrentando algo, com coragem danada. Um rosnar forte rondava a casa, e os latidos só aumentavam. Tonho acordou meio zonzo, assustado, gritando pra abrirem a porta. Mas quem teve coragem? Ninguém! O homem, apavorado, saiu correndo mato adentro, pedindo socorro. Ele jura até hoje que era lobisomem. Mas, cá entre nós, podia ser só um boi solto por aí, né?

Quando o sol raiou, Tonho voltou, todo sem graça. E não é que o homem tava... digamos, “cagado”? Ninguém sabe se foi o susto ou a mistura da comilança do dia anterior. O que sobrou foi a zoação: o valentão que botava lobisomem pra correr acabou correndo dele!

E assim foi aquele dia, cheio de histórias, risadas e um pouquinho de mistério, como só a roça sabe oferecer.

 

Genílson Máximo  

28 de novembro de 2023

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Jorge Leite: um gesto de amor à Natureza

 

Hoje, ao folhear um antigo álbum de fotos, fui transportado para uma manhã singular que marcou minha vida de maneira profunda. Era um domingo tranquilo, e o toque do telefone interrompeu o silêncio da casa. Do outro lado da linha, ouvi a voz suave, quase sempre contida, de Doutor Jorge Leite, meu patrão.

– Genílson, está ocupado?
– Não, Doutor, respondi prontamente.
– Vou passar aí na sua casa. Preciso que me acompanhe até o escritório da fábrica.

A ligação encerrou-se tão rapidamente quanto começou, deixando-me intrigado. Por que um convite ao escritório em pleno domingo? Pouco tempo depois, o carro do Doutor parou em frente à minha casa, e lá fui eu, sem questionar.

No caminho, não pude conter minha curiosidade e perguntei o que ele planejava fazer naquele horário tão atípico. A resposta veio acompanhada de uma expressão que, para ele, era rara: um sorriso discreto, mas genuíno.

– Quero que você veja uns pássaros que vêm comer frutas próximas à escada do escritório.

Confesso que a simplicidade da proposta me surpreendeu. Doutor Jorge, sempre tão sisudo e reservado, revelava um entusiasmo incomum ao falar sobre algo tão singelo. Sua voz carregava uma alegria quase pueril, como se o simples ato de alimentar pássaros fosse um segredo precioso que ele desejava compartilhar.

Uma conexão natural e fundamentada

Chegamos à fábrica, e ele me conduziu até a escada de acesso ao escritório. Lá, deparei-me com uma cena encantadora: bananas, mamões e mangas haviam sido cuidadosamente colocados nos galhos de árvores próximas. A disposição não era aleatória; cada fruta parecia estar estrategicamente posicionada para atrair as aves.

Essa ação, embora simples, tem respaldo científico. Estudos demonstram que a alimentação suplementar de aves em áreas urbanas pode contribuir para a manutenção da biodiversidade em habitats fragmentados. De acordo com Jones e Reynolds (2008), a prática de alimentar pássaros em ambientes urbanos não apenas proporciona suporte nutricional para espécies nativas, mas também fortalece a conexão emocional entre as pessoas e o meio ambiente, incentivando atitudes de conservação.

O poder transformador dos gestos simples

– Vamos sentar ali, na calçada, em silêncio – sugeriu ele. – Quero que você veja como elas vêm, comem, e depois cantam em forma de agradecimento.

A simplicidade de suas palavras escondia uma profundidade que eu só compreenderia plenamente minutos depois. Sentamo-nos e, em silêncio, assistimos ao espetáculo. Guriatãs, cardeais, garrinchas, azulões, assanhaços, bem-te-vis e outros pássaros cujo nome eu desconhecia começaram a chegar, um a um.

Cada movimento era uma coreografia precisa: pousavam nos galhos, bicavam as frutas, emitindo melodias que pareciam saudar o momento. Essa observação remete ao conceito de serviços ecossistêmicos culturais, descritos por Millenium Ecosystem Assessment (2005) como os benefícios imateriais que os humanos obtêm do contato com a natureza, incluindo a inspiração, o lazer e a espiritualidade.

Reconhecendo o valor intrínseco da natureza

Enquanto observava, percebi algo que transcendia o ato de alimentar aves. Havia ali uma troca silenciosa, um pacto de reciprocidade entre homem e natureza. O canto dos pássaros, que Doutor Jorge interpretava como agradecimento, era, na verdade, uma celebração mútua, um lembrete de que a harmonia é possível quando respeitamos os ciclos da vida.

Além disso, a prática de fornecer alimentos naturais em locais estratégicos colabora para a mitigação dos efeitos da urbanização sobre a avifauna. Pesquisas realizadas por Galbraith et al. (2015) apontam que a alimentação suplementar contribui para o aumento da sobrevivência e reprodução de aves, especialmente em períodos de escassez de recursos naturais.

Um legado de inspiração

Doutor Jorge era um defensor genuíno da biodiversidade, alguém que, mesmo em sua aparente seriedade, carregava uma sensibilidade rara. Ele não apenas admirava a natureza; ele a compreendia, a valorizava, e, acima de tudo, a protegia.

Depois de aproximadamente vinte minutos, ele se levantou e ordenou que o motorista me levasse de volta para casa. Ficou no escritório, provavelmente em sua habitual introspecção. Mas, para mim, o impacto daquele momento foi duradouro.

Na simplicidade de sua ação, Doutor Jorge me ensinou uma lição de vida. Ele demonstrou que gestos singelos, como alimentar pássaros, possuem um poder transformador. Mais do que um defensor da natureza, ele era um exemplo de como a humanidade pode reencontrar sua essência ao se reconectar com o mundo natural.

 

Por: Genílson Máximo

13 de janeiro de 2025

domingo, 12 de janeiro de 2025

Como surgiu a Orlinha dos Pobres em Estância

 

A icônica “Orlinha dos Pobres”, que nasceu na Praça Barão do Rio Branco e parte da memória afetiva de gerações, está prestes a ser revitalizada. Reconhecida como um dos principais pontos de encontro em Estância, esse espaço atraiu, por anos, moradores e turistas em busca de boa gastronomia, cerveja gelada e música ao vivo às sextas-feiras. O local era célebre por oferecer um cardápio variado, que incluía pizzas, espetinhos e lanches, tornando-se o destino favorito para o tradicional happy hour de fim de semana.

Com o passar do tempo, no entanto, o cenário mudou. Os moradores começaram a expressar descontentamento diante de problemas como barulho excessivo, desordem e outros transtornos. Essa insatisfação culminou em uma intervenção do Ministério Público (MP), que emitiu uma liminar determinando que a prefeitura tomasse medidas para solucionar os conflitos.

Tentativas de solução e desafios ao longo dos anos

Durante a gestão do ex-prefeito Zé Nelson (1997-2000), surgiu a proposta de transferir a orlinha para o forródromo, um espaço subutilizado fora da temporada junina. A ideia visava otimizar o uso do forródromo enquanto organizava a orlinha. Contudo, a transferência não saiu do papel, e a orlinha permaneceu na Praça Barão do Rio Branco.

Já na administração de Gevani Bento (2001-2004), a questão voltou à pauta. Com a liminar ainda vigente, o prefeito, sensível à situação dos comerciantes que dependiam da orlinha para o sustento, chegou a um acordo com o Ministério Público. Assim, o local foi transferido para o Largo Pedro Pires, onde a prefeitura investiu na construção de quiosques para acolher os comerciantes.

As origens da Orlinha dos Pobres

A história desse espaço emblemático remonta à gestão de Valter Cardozo (1989-1992). Antes mesmo da criação do forródromo, o então prefeito idealizou um ambiente para os festejos juninos na área conhecida como “Caminho do Rio”. Na ocasião, foram instalados bares improvisados para a venda de comidas típicas, bebidas e artesanato no espaço que anos depois sediou a orlinha. Até então, a região era praticamente intransitável e sem utilidade pública.

Após sua transferência para o Largo Pedro Pires, a orlinha prosperou como ponto de convivência e lazer por mais de duas décadas. Entretanto, junto com a popularidade vieram os desafios. Relatos de moradores indicam que o espaço passou a ser associado ao uso e comércio de drogas, além de episódios de violência, como brigas, tentativas de homicídio e prostituição. Esses problemas levaram a novas ações judiciais, que pediam a demolição dos quiosques. Apesar disso, alguns comerciantes mantiveram suas atividades legítimas, vendendo lanches e bebidas, enquanto a insatisfação da vizinhança continuava a crescer.

Um novo capítulo: “Orlinha de Todos”

Em dezembro de 2024, o prefeito Gilson Andrade anunciou a ordem de serviço para a revitalização da orlinha, que será renomeada como “Orlinha de Todos”. O projeto prevê a construção de um pórtico, uma bateria de banheiros, dez quiosques e iluminação decorativa. Além disso, o espaço será transformado em um centro de vendas para aliviar a demanda da feira central.

A obra, orçada em mais de R$ 1 milhão, é fruto de uma parceria entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal, com recursos provenientes de uma emenda parlamentar do deputado Gustinho Ribeiro. A articulação foi liderada por André Graça, ex-vice-prefeito e atual gestor de Estância.

Expectativas e esperanças

A comunidade local, incluindo moradores e comerciantes, aguarda com entusiasmo a inauguração da nova orlinha. De acordo com a prefeitura, a revitalização não apenas modernizará o espaço, mas também resgatará seu papel como um ponto central de convivência e lazer para a população.

A “Orlinha de Todos” simboliza mais do que uma reforma estrutural; representa uma nova perspectiva de segurança, organização e valorização comunitária, resgatando a essência de um espaço que sempre foi sinônimo de encontro e celebração.

 

 

Por: Genílson Máximo

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Ponte da Cachoeira: preocupações e alertas de um risco potencial

 

O desabamento de parte da ponte entre Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), sobre o Rio Tocantins, no domingo (22/12), trouxe à tona um alerta que preocupa os estancianos há anos: a segurança da ponte sobre o Rio Piauí, no bairro Cachoeira, em Estância. Com 158,5 metros de extensão, a estrutura foi inaugurada em 1956, durante o governo de Juscelino Kubitschek, atendendo a um pedido do então governador de Sergipe, Leandro Maciel.

Localizada no km 153 da BR-101, a ponte suporta diariamente o intenso fluxo de veículos leves e pesados, além de conectar bairros como Estancinha, Candeal e os residenciais Carmem Prado e Albano Franco  e os municípios vizinhos de Santa Luzia, Indiaroba e Umbaúba. Construída há quase 70 anos, sua estrutura gera apreensão entre moradores e usuários, que cobram vistorias periódicas e laudos técnicos do DNIT.

O vereador Artur Oliveira (PT) é uma das vozes mais ativas nesse debate, tendo apresentado diversos requerimentos ao DNIT solicitando estudos que garantam a segurança da ponte. “A ponte da Cachoeira pode representar uma tragédia anunciada. Deus nos livre que isso aconteça, mas não pecamos por falta de alerta”, afirmou Artur em sessão realizada em abril de 2019.


Moradores da região também já realizaram protestos, como relata a doméstica Maria Josefa, de 38 anos: “Por aqui passam milhares de veículos, inclusive tri-trens. Vivemos com medo de que algo grave aconteça.”

Além das vistorias, a população demanda a construção de uma passarela para pedestres, ciclistas e carroças, dado o elevado número de acidentes registrados na travessia ao longo das décadas. A segurança dessa ponte, que é uma via federal, é essencial para evitar uma tragédia semelhante à de Estreito e garantir tranquilidade aos que dependem dela diariamente.


Por: Genilson Máximo

 

 



quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Trocar proteínas animais por vegetais: um caminho para a saúde e prevenção de doenças

 

Nos últimos anos, a ciência tem destacado os benefícios da substituição de proteínas animais por proteínas vegetais na dieta. Essa mudança não é apenas uma tendência alimentar, mas uma estratégia poderosa para proteger a saúde e prevenir doenças graves como infarto e derrame cerebral.

As proteínas vegetais, encontradas em alimentos como leguminosas (feijão, lentilha, grão-de-bico), oleaginosas (castanhas, nozes, amêndoas), sementes e cereais integrais, oferecem aminoácidos essenciais sem os riscos associados ao consumo de carne e derivados animais. Estudos mostram que dietas ricas em proteínas animais estão ligadas ao aumento dos níveis de colesterol LDL (o “ruim”), principal causador de placas nas artérias. Já as proteínas vegetais não contêm colesterol e possuem gorduras saudáveis, como os ácidos graxos insaturados, que contribuem para a saúde cardiovascular. 

Além disso, a substituição por proteínas vegetais reduz a ingestão de gorduras saturadas e trans, frequentemente presentes em carnes e produtos processados. Essas gorduras são diretamente associadas a doenças como hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e obesidade – fatores que aumentam significativamente o risco de eventos cardiovasculares.

Outro ponto positivo é a presença de fibras nas fontes vegetais de proteínas, algo inexistente nas proteínas animais. As fibras promovem a saciedade, regulam o trânsito intestinal e auxiliam na redução dos níveis de glicose e colesterol no sangue. Isso significa não apenas prevenção de doenças, mas também maior qualidade de vida.

Adotar uma dieta baseada em proteínas vegetais é, portanto, um investimento em saúde. Comece de forma gradual, substituindo a carne em algumas refeições por opções como tofu, quinoa ou hambúrgueres vegetais. Pequenas mudanças podem trazer grandes impactos, reduzindo significativamente os riscos de infarto, derrame e outras doenças crônicas.

Além dos benefícios pessoais, essa escolha também é um ato de cuidado com o planeta, já que a produção de proteínas vegetais é mais sustentável. Assim, ao trocar proteínas animais por vegetais, você cuida do coração, do corpo e do meio ambiente.

 

Por: Genílson Máximo

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Imprensa em Combate: Gazeta de Estância e Nosso Jornal no confronto político de Nivaldo Silva e Carlos Magno

Imagem ilustrativa


Estância, a "Cidade Jardim", consagrada por Dom Pedro II, sempre teve sua história entrelaçada com a comunicação e a imprensa. Uma cidade que tem nos seus teares da imprensa elevado grau da comunicação, que por muitas décadas, soube usar com precisão os tipos de metal, inovação para escrita criada pelo artesão e inventor Johannes Gutenberg. Berço do “Recompilador Sergipano”, o primeiro jornal de Sergipe, fundado por Monsenhor Silveira em 1832, a cidade transformou a palavra impressa em uma arena onde as disputas políticas encontravam eco. 

Nos anos 1980, essa tradição jornalística fervilhou em um duelo que transcendeu as páginas dos jornais e inflamou os ânimos da população. 

Entre 1980 e 1988, dois jornais marcaram época e polarizaram a opinião pública local: a “Gazeta de Estância”, propriedade do comerciante e opositor político Nivaldo Silva, e o “Nosso Jornal”, vinculado à prefeitura do então prefeito Carlos Magno. A rivalidade entre esses dois líderes políticos era acirrada, e seus jornais tornaram-se armas afiadas nesse embate, com manchetes que destilavam críticas e respostas contundentes. 

A tensão política intensificaram-se após as eleições municipais de 1982, em que Carlos Magno, pelo PDS, derrotou Nivaldo Silva, que aspirava ocupar o Paço Municipal. A derrota deixou marcas profundas em Nivaldo, que utilizou a “Gazeta de Estância” como tribuna para criticar ferozmente a gestão do adversário. Carlos Magno, por sua vez, revidava por meio do “Nosso Jornal”, transformando o espaço editorial em um campo de batalha onde as palavras eram munição e a sátira, um veneno implacável. 

Enquanto o Brasil vivia a transição da ditadura para a democracia e o mundo se agitava com eventos históricos como o acidente nuclear de Chernobyl e a Perestroika de Gorbachev, em Estância, a atenção da população era dividida entre a efervescente cultura da juventude local e o espetáculo das disputas jornalísticas. A “Gazeta de Estância” e o “Nosso Jornal” eram avidamente consumidos, com suas manchetes alimentando rodas de conversa e debates acalorados nos quatro cantos da cidade. 

Nivaldo Silva, apelidado de "santo grande" e "vendedor de azulejo" pelo “Nosso Jornal”, não escondia sua irritação, respondendo com vigor nas edições subsequentes de sua Gazeta. Seus redatores, Wanderley Silva, Renato Silva, Carlos Tadeu, José Cruz, Joel Sobral, padre Fernando Ávila e Tarquínio, mantinham o tom crítico elevado. Do outro lado, Carlos Magno e seus colaboradores, como o professor Teles, Raimunda Andrelina, Tuty, Manelão, Dona Cordélia, Alziro Torres, Carlos Tadeu, Augusto Santos e Genílson Máximo, devolviam as críticas com humor ácido e manchetes provocativas. 

O auge da disputa ocorreu entre 1984 e 1988, período em que ambos os jornais consolidaram seu papel como palanques opositores. O “Nosso Jornal” publicava as ações da prefeitura, mas também não se furtava a responder aos ataques da “Gazeta de Estância”. A rivalidade extrapolava o campo político, tocando em egos, no orgulho local e até no imaginário dos leitores, que aguardavam ansiosamente as novas edições. 

Essa troca incessante de acusações remete às célebres batalhas históricas, como a de Kalinga, em que guerreiros disputavam cada palmo de terreno. Assim também eram as páginas desses semanários: um território conquistado a cada manchete, a cada linha editorial que buscava desqualificar o adversário. 

A “Gazeta de Estância” circulou entre 1980 a 1988, quando encerrou suas atividades, ano que também marcou o fim da circulação do “Nosso Jornal”, que existiu entre 1984 a 1988. Contudo, o impacto dessas publicações ressoou além de suas últimas edições. Elas registraram um momento ímpar da política local, em que as divergências não apenas marcaram os corredores do poder, mas também as ruas e casas de Estância. Esse embate entre Nivaldo Silva e Carlos Magno permanece como um capítulo vívido na memória da cidade. Em 1988, Carlos Magno elege o seu sucessor, Valter Cardozo (1989/1992).

A gestão de Carlos Magno enfrentou uma oposição ferrenha da “Gazeta de Estância”, cujo proprietário era aliado do governador João Alves Filho, fortalecendo ainda mais o movimento oposicionista. Como diz o ditado, “a política é como nuvens: muda constantemente”, e isso ficou evidente em 1992, quando Carlos Magno surpreendeu ao apoiar seu antigo adversário na disputa pela prefeitura, indicando sua esposa, Sra. Daisy Garcia, como candidata a vice-prefeita na chapa majoritária. Após a vitória, Nivaldo governou de 1993 até 1994, ano de seu falecimento. Com isso, Daisy Garcia assumiu a prefeitura, conduzindo o município entre 1995 e 1996.
 


Por: Genílson Máximo 

 
 
 

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Desta vez, a cigana não enganou

 

Ao revisitar meus antigos arquivos, deparei-me com uma agenda de páginas amareladas, um presente de Luizinho, amigo de alma e coração que conheci há décadas. Luizinho, ou “Fonfom” (*), como o chamávamos — um apelido que carregava humor e afeto —, era uma figura singular. Foi folheando essa agenda que uma história peculiar emergiu das brumas da memória, um relato que ele, com sua habilidade de cativar pela palavra, compartilhou comigo, vivido em 1984.

Naquele dezembro, Fonfom, então com 22 anos, decidiu passar as férias na histórica cidade de São Cristóvão, sob o acolhimento da tia Zuleide, uma mulher de fibra, dona de uma rotina que a mantinha fora de casa até o anoitecer. Durante o dia, o silêncio reinava na casa, rompido apenas pelo som do televisor, enquanto a brisa suave e quente da janela aberta trazia uma sensação de calmaria quase hipnótica.

Fonfom era jovem, charmoso, de pele morena e sorriso desarmante. Contudo, nada em sua experiência de vida poderia prepará-lo para o que o aguardava naquela manhã de terça-feira, quando o destino entrelaçou seus passos aos de uma mulher cigana.

O encanto cigano: mistério e sedução

Há algo profundamente fascinante na figura de uma cigana. Suas roupas coloridas, adornadas com joias e talismãs, evocam mistérios ancestrais, dançando entre o sagrado e o profano. Esses traços carregam uma liberdade envolvente, como se cada movimento narrasse histórias de terras distantes e tempos imemoriais. E seus olhos... Ah, os olhos ciganos! Portais para segredos guardados por gerações.

Foi sob essa aura que Fonfom a encontrou. Às 11 da manhã, enquanto o televisor ecoava ao fundo, palmas na janela o tiraram de seu devaneio. Ele ergueu a cabeça, curioso, e a viu: uma jovem cigana, com um sorriso tão radiante quanto o sol que iluminava sua pele dourada.

O calor de dezembro parecia intensificar a magia daquela visão. A cigana, parada na janela, exalava um perfume floral e exótico que invadia o ambiente. Por um momento, o tempo pareceu suspenso. Com uma voz hipnotizante, ela falou:

— Bom dia! Poderia me oferecer um copo d’água?

Mesmo antes de responder, Fonfom já estava capturado. Havia nela algo inexplicável, uma força que parecia dialogar diretamente com sua alma. Ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha, enquanto tentava entender aquela atração irresistível.

— Aproveitando — continuou ela, com olhos tão profundos quanto galáxias distantes —, posso ler sua mão? Talvez hoje seja seu dia de sorte.

Fonfom, incapaz de resistir, levantou-se, abriu a porta e foi buscar a água. Na cozinha, seu coração batia acelerado. “Quem é ela? Por que me sinto assim?”, pensava, enquanto enchia o copo.

Quando voltou à sala, a cena o desarmou completamente. Lá estava ela, encostada na parede, como veio ao mundo: nua, seus seios lembrando duas peras maduras, a pele de uma suavidade infantil, cabelos negros descendo até a cintura. Um pingente delicado adornava seu umbigo, e uma corrente fina cingia sua cintura como um ornamento dos deuses. Ela parecia a materialização de um sonho, uma visão etérea e terrena ao mesmo tempo.

— Eu disse que hoje era seu dia de sorte — murmurou ela, com um sorriso que carregava o peso de segredos universais.

Fonfom hesitou por um instante, mas como não era santo de nenhum altar, caiu de boca na botija. A magia da cigana e a paixão de Fonfom se entrelaçaram numa explosão de desejo e mistério, como se o universo houvesse conspirado para aquele instante que mais parecia surreal. E então, como se o sofá fosse um altar e a paixão uma prece, o improvável aconteceu.

Memórias que transcendem

Fonfom nunca se esqueceu daquela manhã em que os astros pareciam ter se alinhado para um encontro que desafiava a razão. Ao narrar essa história, seus olhos brilhavam com um misto de nostalgia e incredulidade. Há momentos que transcendem o ordinário, e há mulheres, como aquela cigana, capazes de transformar vidas de forma inesquecível.

 



(*) O apelido surgiu porque, quando criança, ganhou do pai uma bicicleta Monareta com uma buzina de borracha que emitia o som “fonfom” ao ser pressionada. O som acabou se tornando seu nome.

 

Por: Genílson Máximo

Em 27 de novembro de 2024

 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Os cabarés de Estância, os homens de bem e o falso moralismo



Sem a menor pretensão de estar escrevendo algo original, singular, adianto que a minha motivação  para juntar esse monte de letras que chamo de texto, são as obras de Gabriel Garcia Marques, “Memórias de Minhas Putas Tristes”, as de Jorge Amado, “Teresa Batista Cansada de Guerra”, e Gabriela Cravo e Canela, assim como as músicas, “Cabaré” de João Bosco e Aldir Blanc, “Folhetim” de Chico Buarque de Holanda e “Geni e o Zepelim” também de Chico Buarque.

Farei  observações sobre as profissionais do sexo, ora como putas, ora como prostitutas, ou qualquer outro sinônimo, seguindo o vocabulário de cada época.

Escrever sobre personagens do andar de cima ou do andar de baixo é uma opção ideológica e não literária em minha opinião, por isso escolhi mais uma vez escrever sobre gente discriminada, gente que apesar do trabalho que exercia, tinha mais dignidade do que se imagina. Estou me referindo aos proprietários de cabarés.

Quanto mais lemos, quanto mais estudamos as obras de Jorge Amado mais percebemos o quanto ele foi grande, um homem acima de qualquer preconceito, tanto que era muito respeitado em todos os terreiros da Bahia onde se cultuam as religiões de matriz africana, discriminadas e perseguidas durante séculos no Brasil.

Jorge Amado talvez tenha sido o escritor que mais deu voz às prostitutas, ele as tratava sem qualquer preconceito, aliás em “Gabriela” essas mulheres protagonizaram o romance, como também em “Teresa Batista cansada de guerra”, Jorge Amado coloca a prostituta como figura central da obra.

Teresa fez de tudo, matou  o seu dono, ajudou a combater uma epidemia de varíola em Boquim (SE), liderou uma greve da categoria em Salvador (Greve do balaio fechado), e agiu mesmo sem saber como precursora do feminismo.

Não podemos esquecer que Jorge Amado criou uma rua em seu romance com o nome Zé de Dome (o artista plástico estanciano com exposições em vários países), onde morou Teresa Batista.

É inacreditável que na vida real não exista em Estância nenhuma referência ao artista, pois a escolinha da zona rural que levava o seu nome foi extinta.

Em Gabriela o escritor ataca o falso moralismo dos coronéis do cacau, os homens respeitáveis que depois da missa, davam uma passadinha no Bataclan, o cabaré da cafetina Maria Machadão, que era uma espécie de confidente de suas meninas e também dos seus clientes.

Várias publicações registram as visitas do escritor baiano ao “Cabaré Vaticano” em Aracaju, próximo ao mercado, em companhia do seu amigo Dudu de Capela (Adroaldo Campos).

Na esteira da música recordei-me de  “Geni e o Zepelim” do genial Chico Buarque de Holanda que também destaca a hipocrisia da sociedade que por interesse se dobra à prostituta Geni, chamada por ela de lazarenta, mas para não ver a cidade destruída a salvação era recorrer a Geni, então “o prefeito de joelhos e o bispo de olhos vermelhos” imploram a Geni.

Além dessa música Chico Buarque compôs Folhetim que também faz referência a cortesã que em troca de qualquer presente faz o homem feliz.

João Bosco e Aldir Blanc compuseram “Cabaré” que fez enorme sucesso na voz de Elis Regina e também na deles.

Noel Rosa antes deles gravou  “A Dama e o Cabaré”, mas pra não dizer que artistas e intelectuais não discriminam as pécoras, Tim Maia destoou a dizer que, “este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita”, e Cazuza em tom irônico cravou: “levar a vida fácil requer coragem”.

Esse enorme preâmbulo preparou o caminho para que eu pudesse falar sobre os cabarés de Estância e os seus atores, um dos mais famosos foi o do senhor Zé de Bazília, um negro alto e forte, que foi muito respeitado por não ser hipócrita e que nunca arrastou ninguém pelo braço para ir ao seu cabaré, que salvo engano era chamado de “Toca da Onça.” Quem o conheceu dizia que ele era um homem distinto, muito mais distinto do que aqueles “homens de bem” que engravidavam as “meninas” e não reconheciam os filhos.

Outra personagem dos cabarés de Estância foi uma senhora de nome Ninha, proprietária da Boate Zíngara. Ela tratava as suas garotas como se fossem filhas e dava duro no bar do recinto para sobreviver.

Eu nunca ouvi ninguém falar mal daquela mulher batalhadora que sem dúvida era mais digna do que muitos dos seus clientes da sociedade, que igualmente aqueles do romance de Jorge Amado, depois da missa deixavam as esposas em casa e iam tomar uma fresca na zona livre.

Ninha estava lá e não se escondia da sociedade, enfrentava o preconceito de cabeça erguida, já muitos clientes da "alta sociedade" entravam lá pelas portas dos fundos. Muitos deles eram comerciantes, altos funcionários públicos e gente que depois se tornou político importante na cidade.

Como eu sei disso? Claro eu também dei os meus passeios por lá entre os 16 e 17 anos, período que o adolescente (vítima do machismo) era coagido a provar a sua “masculinidade" para os amigos, e muitos eram cobrados inclusive pelos pais machões.

Lembro-me que às 22 h pontualmente a polícia fazia uma batida no local e exigia apresentação de documento, e se o abordado fosse menor de idade, como era o meu caso e dos meus amigos, a coisa pegava e se não houvesse a interferência dos proprietários para liberar, o moleque chegava em casa rebocado pela PM. Imagine o problema.

Não exagero ao dizer que muitos pais levavam os filhos para batizar no cabaré (não foi o meu caso) e lá escolhia a “puta” para desvirginar o garoto, e se o moleque pegasse uma gonorreia (doença venérea) muito comum na época, aí era que o pai e irmãos mais velhos deliravam de alegria. Era batismo e crisma ao mesmo tempo, diziam.

Esse costume da época era uma tremenda violência contra a autonomia dos adolescentes sobre os seus corpos, quando tinham que fazer sexo como se fossem cavalos ou cães que agem por instinto. Onde está escrito que o homossexual não pode fazer sexo com uma mulher e inclusive engravidá-la? É a atividade sexual que define a orientação? Se é um ser humano hétero ou LGBT?

Voltando aos homens ilustres, eu ainda adolescente e meus amigos da mesma idade, nos intrigávamos ao ver nos cabarés, sempre em lugares reservados, uns com chapéu Panamá para dificultar o reconhecimento que já era difícil por conta das luzes de cores lilás e vermelha. Como podem aqueles homens vistos como guardiões da moralidade, os homens que mandavam na cidade andando aqui no cabaré? Essa era a pergunta que nunca calava.

Como o meu objetivo não é escrachar ninguém, não convém citar o nome de um cliente assíduo da zona que pagava caro as meninas mais novas só para vê-las despidas. Na época ele era um rico comerciante septuagenário.

Outros cabarés ou boates, como queiram, existiam naquela época. Tinham os de primeira como as Boates Zíngara e Bambu e outros de segunda, como o cabaré de Raimundo de Jacó e o Cabaré de Cíço e o de Tomatinho.

Com o advento da AIDS essas casas noturnas entraram em declínio e restaram só as lembranças de uma época que ficou em aberto, e precisa ser pesquisada para entendermos melhor a complexidade de uma sociedade e a sua cultura.

A quase extinção dos prostíbulos é assunto que pode ser estudado de forma séria pela sociologia, porque ali havia gente, antes de ser cafetina, cafetão, puta, eram seres humanos que chegaram por motivos dos mais variados.

Eu passei a entender melhor o mundo marginal da prostituição participando de reunião da ASP -  Associação Sergipana das Prostituta, que era dirigida por Dona Candelária. Algumas reuniões aconteciam na sede da CUT. A sua atuação em defesa da categoria orientando-a na prevenção das DSTs e também no encaminhamento para fazer cursos profissionalizantes e mudar de vida.

Candelária dizia que o maior problema das prostitutas pobres não era a vulnerabilidade nem a violência, mas a velhice. Ela ressaltava que  dos trinta anos a tabela de preço cai muito e depois dos 50 até fome passam.

Muitas garotas se tornaram prostitutas porque foram vítimas de todo tipo de violência e exclusão dentro da própria família. Candelária  morreu no dia 30 de maio aos 70 anos em Aracaju vitimada pela Covid-19.

Nem realismo puro, nem romantização, o fato é que aquele ambiente (dos cabarés) era hostil, e nele prevalecia a lei do mais forte ou do mais esperto, e por isso quase sempre estourava uma briga violenta que poderia terminar em homicídio, como ocorreu com Cícero, dono de uma dessas casas localizadas às margens da BR 101.

Tudo era motivo para iniciar uma confusão, um simples esbarrão em um desconhecido, um olhar atravessado, e até quanto o cliente flagrava a acompanhante jogar a dose de bebida fora. O visitante pagava para a dama o acompanhar na bebida, mas não se perguntava como elas suportavam tomar doses fortes das 18 h até amanhecer. Claro, descartando.

Só existem profissionais do sexo se houver clientes, mas a eles não há qualquer adjetivo depreciativo, mas para elas... prostituta, amásia, concubina, dama, rapariga, meretriz, perdida, rameira, cortesã, piranha, puta, messalina, vaca, bagaxa, cocota, garota de programa, marafona, mulher de rua, mulher da vida, mulher perdida, pécora, rascoa, rascoeira, tolerada, etc.

Eu citei somente os cabarés localizados na BR 101, e mais o de Zé de Basília que ficava no fundo do Posto Médico Clóvis Alves Franco, mas havia mais de quarenta espalhados pela cidade, porém como não sou “cabaresólogo” deixarei essa pesquisa mais detalhada para outro.



Rubéns Marques - Prof. Dudu
09/06/2020


quinta-feira, 14 de novembro de 2024

A teimosia de Seu Júlio Pampo fez a papeira descer pros ‘quibas’

 

No Nordeste brasileiro, as histórias de figuras pitorescas são quase uma tradição. Lá pelos idos tempos, conheci um matuto chamado Júlio Pampo, um cabra bruto que nem siri na lata, de raiz. Trabalhava duro na terra, cultivava de tudo: mandioca, batata, quiabo, couve, abóbora. Ainda criava galinhas de pescoço pelado e uma mistura de raças que só se achava por ali.

 Seu lar era cercado por pés de frutas, desde cajueiros a jaqueiras, e ele ainda mantinha um generoso plantio de banana-da-terra nos fundos da casa. Entre as árvores, um pé de caju-banana, que os passarinhos amavam – guriatã, assanhaço, cardeal – fazendo ali suas sinfonias.

Casado com dona Valdice de João de Ambrósio, uma senhora de 56 primaveras e força de sobra, criaram três filhos, já casados e fora do povoado. Seu Júlio, depois de um dia de labuta, se escanchava num banco de tronco de jaqueira, feito por ele, e ouvia o programa ‘Crepúsculo Sertanejo’ na Rádio Jornal, apresentado por Manoel Silva, pelo seu velho Moto Rádio vermelho. Ao lado, sempre estava Cutelo, seu cachorro fiel, escutando cada acorde do rádio e acompanhando o dono.

À noite, o ambiente era iluminado pelo candeeiro a querosene, que deixava o ar com aquele cheiro de fuligem. Dona Valdice cozinhava um cuscuz gostoso numa cuscuzeira de barro, que comprara na feira de Itabaianinha, e passava o café numa chaleira de barro – tudo no seu xodó, o fogão a lenha.

 Mas certo dia, após chegar da feira montado no seu cavalo pé duro, Seu Júlio começou a se queixar de dor nos ouvidos. Dona Valdice preparou um chá com umas ervas do quintal, mas a dor persistiu. Em dois dias, o veredito: papeira. Mesmo com a recomendação de repouso, Seu Júlio, teimoso, com energia de sobra, agoniado que nem  mula com besouro no ouvido, resolveu ignorar tudo e se mandou para a roça com um pano amarrado na cabeça, como se isso resolvesse.

O primo dele, Chico de Zuza, avisava: “Olhe, Seu Júlio, repouso, ou essa papeira vai descer pros quibas!” Júlio, por sua vez, mais grosso que parafuso de patrola, ria e dizia: “Ora, besteira! Um homem que come cuscuz, batata, macaxeira com jabá não fica mofino por papeira, não!”

Mas não deu outra. A papeira desceu e incharam os quibas de Seu Júlio, que passou a andar de pernas abertas, gemendo. Os quibas pareciam mais um abacate grande. Alguém sugeriu o remédio caseiro: esfregar os quibas num formigueiro de saúva. E lá foi Seu Júlio, ciscando como galinha e mugindo como boi, a ponto de ser mordido  nos quibas por uma saúva grande, que incharam ainda mais.

Foi aí que o vizinho, Zé Curica, teve a ideia: Dona Valdice deveria raspar a palma de uma babosa e aplicar a seiva nos quibas do marido. Mas, o velho era arreliento: “Deixe essa peste assim, não quero não!” Dona Valdice insistiu! Depois de algumas aplicações, o inchaço foi cedendo, e os quibas, finalmente, voltaram ao normal.

Seu Júlio com sua verve acende peculiaridades histórias das figuras pitorescas do nordeste.

 

 

Em 14 de novembro de 2024.

Genílson Máximo.