quinta-feira, 19 de junho de 2025

O CENTENÁRIO DE GERVÁZIO GOMES DE SOUSA (1925-2025), SEU VAVÁ DA SORVETERIA


O tempo era a década de 1980, o povo brasileiro movido pelo sentimento de liberdade a passos largos, derrotava a criminosa e famigerada Ditadura Civil/Militar (1964-1985), Estância, “Berço da Cultura Sergipana” nesse processo se colocou como uma potente lamparina a iluminar o caminho, ainda cheio de dúvidas e incertezas rumo à democracia. 

Nessa época eu era um menino praiano de “calças curtas”, que sempre acompanhava minha mãe, dona Joaninha, uma catadora de mangaba, à sede do município, para ajudá-la como vendedora na pedra (venda de frutas na rua), e meu pai seu Bezinho, um roceiro-praiano, na comercialização de peixes e coco, na feira livre.

Foi assim que conheci o proprietário da Sorveteria Branca de Neve, Gervásio Gomes de Sousa (seu Vavá), ali era o local que dezenas de praianos e praianas pobres, que chegavam a zona urbana para venderem coco, crustáceos, mangaba, peixes salgados, reuniam-se para fazer o desjejum, com pães, manteiga e refrescos de cambuí, murici, mas principalmente de mangaba.

Lembro-me da primeira vez que o vi, era uma manhã de segunda, aquele homem maduro e magro, vestindo uma camisa social clara, com voz rouca, certamente pela ação dos anos como bem disse o genial Gilberto Gil, na canção “tempo rei”, todavia era ele quem dava a palavra final, era o comandante em chefe do estabelecimento.

A história como “mestra da vida”, encarregou-se de me aproximar de seus filhos, na área da educação, pois tive o privilégio de ser aluno dos grandes mestres estancianos: Everaldo Marques de Sousa (prof. Branco) de inglês, na Escola Municipal João Nascimento Filho; e Rubens Marques de Sousa (prof. Dudu) de história, no Colégio Sen. Walter Franco.

E foi a partir da convivência com os seus filhos e, principalmente, com o renomado professor Dudu, dirigente sindical aguerrido e ideólogo da fundação do Partido dos Trabalhadores, na terra de Alina Leite Paim (1919-2011), que tomei conhecimento da trajetória de vida de seu Vavá, que, diga-se de passagem, uma trajetória marcada pela coragem e pela superação.

Descendente de Jacinto Gomes de Sousa e de Maria Joaquina de Sousa, nasceu no povoado Poço dos Bois, Cedro de São João, no dia 19 de junho de 1925. Casou-se com dona Maria Helena  Marques de Sousa (1930-1993) e tiveram ali mesmo o primogênito Armando Marques de Sousa, de uma prole de 12 filhos que chegaram à idade adulta. Trabalhava duro na roça e como tropeiro, conduzindo juntas de burros para vender cachaça e farinha nas feiras das cidades da região.

Com esposa, filho e pouca chuva, a sobrevivência era difícil, por isso resolveu tomar a decisão de deixar a terrinha natal, o objetivo era melhorar de vida. Com o vigor da juventude e após meditar bastante, em 1947, aos 22 anos, como num recital da canção de Luiz Gonzaga (1912-1989), a Triste Partida, virou retirante e rumou para a “Princesa do Piauitinga “.

Em Estância, teve como primeira moradia uma casa na rua do Areal, bairro Santa Cruz, onde instalou uma bodega, que deixava sob a responsabilidade da esposa, para seguir como tropeiro, percorrendo engenhos, sobretudo em Santa Luzia do Itanhi. Depois se mudou para as imediações da loja do G.Barbosa e iniciou no ramo de sorveteria.

Algum tempo depois, vendeu essa residência e comprou uma outra na rua Francisco Camerino, 269, no centro da cidade, que até hoje pertence à família. Nessa época, adquiriu também um boteco de madeira, defronte ao tradicional Mercado da Farinha, onde construiu a Sorveteria Branca de Neve.

Com dona Maria Helena teve uma extensa prole: Armando (In memoriam), Gileno, Alberto (Beto), Fernando - Preto (In memoriam) Everaldo - Branco, Ivone, Rubens - Dudu, Luiza, Carlos - Cacá,  Célia - Cecé, Edson - Tinho, Roberto - Robertinho, todos “Marques de Sousa”. Quando enviuvou, em 1993, passou a conviver com Nicélia Mazê, e dessa relação adotou Jones Sousa e teve Roberta Sousa e Túlio Sousa.

Alfabetizado em casa, por sua esposa, que lhe ensinou a ler, a escrever e a contar, com inteligência e a ajuda de seu Odilon (mecânico) aprendeu a consertar máquinas de produção de picolé e de fabricação de barras de gelo, ensinando a arte da refrigeração a vários de seus filhos: Armando, Alberto, Fernando, Carlos e Robertinho.

Jogou no América de Propriá, por um breve período, foi auxiliar técnico do competente treinador, Edigar Barreto, na memorável campanha do Azulão do Piauitinga, no pentacampeonato sergipano, entre 1956 e 1960, cultivando desse período grandes amizades, que lhes renderam compadrismos com os craques Alcides José dos Santos - ABC (1925-2025) e João Evangelista dos Santos  - Tarati (1934-2008)

No dia 17 de setembro de 2009, realizou a sua páscoa definitiva, aos 84 anos, foi sepultado no Campo Santo de Nossa Senhora da Piedade, num ato bastante emocional, que contou com a presença de familiares, amigos e do governador de Sergipe Marcelo Déda Chagas (1960-2013). 

Homenageado com um nome de rua, no bairro Botequim, rememorar o seu legado de honestidade, dedicação à família e ao trabalho, no seu centenário, em 19 de junho de 2025, é valorizar a pessoa humana do povo, que com coragem, disposição e o suor do rosto contribuiu para o soerguimento da contemporaneidade nas plagas do Piauitinga.


Seu Vavá, presente!


José Domingos Machado Soares 

(Dominguinhos)

Professor

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