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A teimosia de Seu Júlio Pampo fez a papeira descer pros ‘quibas’

 

No Nordeste brasileiro, as histórias de figuras pitorescas são quase uma tradição. Lá pelos idos tempos, conheci um matuto chamado Júlio Pampo, um cabra bruto que nem siri na lata, de raiz. Trabalhava duro na terra, cultivava de tudo: mandioca, batata, quiabo, couve, abóbora. Ainda criava galinhas de pescoço pelado e uma mistura de raças que só se achava por ali.

 Seu lar era cercado por pés de frutas, desde cajueiros a jaqueiras, e ele ainda mantinha um generoso plantio de banana-da-terra nos fundos da casa. Entre as árvores, um pé de caju-banana, que os passarinhos amavam – guriatã, assanhaço, cardeal – fazendo ali suas sinfonias.

Casado com dona Valdice de João de Ambrósio, uma senhora de 56 primaveras e força de sobra, criaram três filhos, já casados e fora do povoado. Seu Júlio, depois de um dia de labuta, se escanchava num banco de tronco de jaqueira, feito por ele, e ouvia o programa ‘Crepúsculo Sertanejo’ na Rádio Jornal, apresentado por Manoel Silva, pelo seu velho Moto Rádio vermelho. Ao lado, sempre estava Cutelo, seu cachorro fiel, escutando cada acorde do rádio e acompanhando o dono.

À noite, o ambiente era iluminado pelo candeeiro a querosene, que deixava o ar com aquele cheiro de fuligem. Dona Valdice cozinhava um cuscuz gostoso numa cuscuzeira de barro, que comprara na feira de Itabaianinha, e passava o café numa chaleira de barro – tudo no seu xodó, o fogão a lenha.

 Mas certo dia, após chegar da feira montado no seu cavalo pé duro, Seu Júlio começou a se queixar de dor nos ouvidos. Dona Valdice preparou um chá com umas ervas do quintal, mas a dor persistiu. Em dois dias, o veredito: papeira. Mesmo com a recomendação de repouso, Seu Júlio, teimoso, com energia de sobra, agoniado que nem  mula com besouro no ouvido, resolveu ignorar tudo e se mandou para a roça com um pano amarrado na cabeça, como se isso resolvesse.

O primo dele, Chico de Zuza, avisava: “Olhe, Seu Júlio, repouso, ou essa papeira vai descer pros quibas!” Júlio, por sua vez, mais grosso que parafuso de patrola, ria e dizia: “Ora, besteira! Um homem que come cuscuz, batata, macaxeira com jabá não fica mofino por papeira, não!”

Mas não deu outra. A papeira desceu e incharam os quibas de Seu Júlio, que passou a andar de pernas abertas, gemendo. Os quibas pareciam mais um abacate grande. Alguém sugeriu o remédio caseiro: esfregar os quibas num formigueiro de saúva. E lá foi Seu Júlio, ciscando como galinha e mugindo como boi, a ponto de ser mordido  nos quibas por uma saúva grande, que incharam ainda mais.

Foi aí que o vizinho, Zé Curica, teve a ideia: Dona Valdice deveria raspar a palma de uma babosa e aplicar a seiva nos quibas do marido. Mas, o velho era arreliento: “Deixe essa peste assim, não quero não!” Dona Valdice insistiu! Depois de algumas aplicações, o inchaço foi cedendo, e os quibas, finalmente, voltaram ao normal.

Seu Júlio com sua verve acende peculiaridades histórias das figuras pitorescas do nordeste.

 

 

Em 14 de novembro de 2024.

Genílson Máximo.

 

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