Ao
revisitar meus antigos arquivos, deparei-me com uma agenda de páginas
amareladas, um presente de Luizinho, amigo de alma e coração que conheci há
décadas. Luizinho, ou “Fonfom” (*), como o chamávamos — um apelido que
carregava humor e afeto —, era uma figura singular. Foi folheando essa agenda
que uma história peculiar emergiu das brumas da memória, um relato que ele, com
sua habilidade de cativar pela palavra, compartilhou comigo, vivido em 1984.
Naquele
dezembro, Fonfom, então com 22 anos, decidiu passar as férias na histórica
cidade de São Cristóvão, sob o acolhimento da tia Zuleide, uma mulher de fibra,
dona de uma rotina que a mantinha fora de casa até o anoitecer. Durante o dia,
o silêncio reinava na casa, rompido apenas pelo som do televisor, enquanto a
brisa suave e quente da janela aberta trazia uma sensação de calmaria quase
hipnótica.
Fonfom
era jovem, charmoso, de pele morena e sorriso desarmante. Contudo, nada em sua
experiência de vida poderia prepará-lo para o que o aguardava naquela manhã de
terça-feira, quando o destino entrelaçou seus passos aos de uma mulher cigana.
O encanto cigano: mistério e sedução
Há algo
profundamente fascinante na figura de uma cigana. Suas roupas coloridas, adornadas
com joias e talismãs, evocam mistérios ancestrais, dançando entre o sagrado e o
profano. Esses traços carregam uma liberdade envolvente, como se cada movimento
narrasse histórias de terras distantes e tempos imemoriais. E seus olhos... Ah,
os olhos ciganos! Portais para segredos guardados por gerações.
Foi sob
essa aura que Fonfom a encontrou. Às 11 da manhã, enquanto o televisor ecoava
ao fundo, palmas na janela o tiraram de seu devaneio. Ele ergueu a cabeça,
curioso, e a viu: uma jovem cigana, com um sorriso tão radiante quanto o sol
que iluminava sua pele dourada.
O calor
de dezembro parecia intensificar a magia daquela visão. A cigana, parada na
janela, exalava um perfume floral e exótico que invadia o ambiente. Por um
momento, o tempo pareceu suspenso. Com uma voz hipnotizante, ela falou:
— Bom
dia! Poderia me oferecer um copo d’água?
Mesmo
antes de responder, Fonfom já estava capturado. Havia nela algo inexplicável,
uma força que parecia dialogar diretamente com sua alma. Ele sentiu um arrepio
percorrer sua espinha, enquanto tentava entender aquela atração irresistível.
—
Aproveitando — continuou ela, com olhos tão profundos quanto galáxias distantes
—, posso ler sua mão? Talvez hoje seja seu dia de sorte.
Fonfom,
incapaz de resistir, levantou-se, abriu a porta e foi buscar a água. Na
cozinha, seu coração batia acelerado. “Quem é ela? Por que me sinto assim?”,
pensava, enquanto enchia o copo.
Quando
voltou à sala, a cena o desarmou completamente. Lá estava ela, encostada na
parede, como veio ao mundo: nua, seus seios lembrando duas peras maduras, a
pele de uma suavidade infantil, cabelos negros descendo até a cintura. Um
pingente delicado adornava seu umbigo, e uma corrente fina cingia sua cintura
como um ornamento dos deuses. Ela parecia a materialização de um sonho, uma
visão etérea e terrena ao mesmo tempo.
— Eu
disse que hoje era seu dia de sorte — murmurou ela, com um sorriso que
carregava o peso de segredos universais.
Fonfom hesitou por um instante, mas como
não era santo de nenhum altar, caiu de boca na botija. A magia da cigana e a paixão de
Fonfom se entrelaçaram numa explosão de desejo e mistério, como se o universo
houvesse conspirado para aquele instante que mais parecia surreal. E então, como se o sofá fosse um altar e a paixão
uma prece, o improvável aconteceu.
Memórias que transcendem
Fonfom
nunca se esqueceu daquela manhã em que os astros pareciam ter se alinhado para
um encontro que desafiava a razão. Ao narrar essa história, seus olhos
brilhavam com um misto de nostalgia e incredulidade. Há momentos que
transcendem o ordinário, e há mulheres, como aquela cigana, capazes de
transformar vidas de forma inesquecível.
(*) O apelido surgiu porque, quando criança, ganhou do pai uma bicicleta
Monareta com uma buzina de borracha que emitia o som “fonfom” ao ser
pressionada. O som acabou se tornando seu nome.
Por:
Genílson Máximo
Em 27 de
novembro de 2024
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