quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Desta vez, a cigana não enganou

 

Ao revisitar meus antigos arquivos, deparei-me com uma agenda de páginas amareladas, um presente de Luizinho, amigo de alma e coração que conheci há décadas. Luizinho, ou “Fonfom” (*), como o chamávamos — um apelido que carregava humor e afeto —, era uma figura singular. Foi folheando essa agenda que uma história peculiar emergiu das brumas da memória, um relato que ele, com sua habilidade de cativar pela palavra, compartilhou comigo, vivido em 1984.

Naquele dezembro, Fonfom, então com 22 anos, decidiu passar as férias na histórica cidade de São Cristóvão, sob o acolhimento da tia Zuleide, uma mulher de fibra, dona de uma rotina que a mantinha fora de casa até o anoitecer. Durante o dia, o silêncio reinava na casa, rompido apenas pelo som do televisor, enquanto a brisa suave e quente da janela aberta trazia uma sensação de calmaria quase hipnótica.

Fonfom era jovem, charmoso, de pele morena e sorriso desarmante. Contudo, nada em sua experiência de vida poderia prepará-lo para o que o aguardava naquela manhã de terça-feira, quando o destino entrelaçou seus passos aos de uma mulher cigana.

O encanto cigano: mistério e sedução

Há algo profundamente fascinante na figura de uma cigana. Suas roupas coloridas, adornadas com joias e talismãs, evocam mistérios ancestrais, dançando entre o sagrado e o profano. Esses traços carregam uma liberdade envolvente, como se cada movimento narrasse histórias de terras distantes e tempos imemoriais. E seus olhos... Ah, os olhos ciganos! Portais para segredos guardados por gerações.

Foi sob essa aura que Fonfom a encontrou. Às 11 da manhã, enquanto o televisor ecoava ao fundo, palmas na janela o tiraram de seu devaneio. Ele ergueu a cabeça, curioso, e a viu: uma jovem cigana, com um sorriso tão radiante quanto o sol que iluminava sua pele dourada.

O calor de dezembro parecia intensificar a magia daquela visão. A cigana, parada na janela, exalava um perfume floral e exótico que invadia o ambiente. Por um momento, o tempo pareceu suspenso. Com uma voz hipnotizante, ela falou:

— Bom dia! Poderia me oferecer um copo d’água?

Mesmo antes de responder, Fonfom já estava capturado. Havia nela algo inexplicável, uma força que parecia dialogar diretamente com sua alma. Ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha, enquanto tentava entender aquela atração irresistível.

— Aproveitando — continuou ela, com olhos tão profundos quanto galáxias distantes —, posso ler sua mão? Talvez hoje seja seu dia de sorte.

Fonfom, incapaz de resistir, levantou-se, abriu a porta e foi buscar a água. Na cozinha, seu coração batia acelerado. “Quem é ela? Por que me sinto assim?”, pensava, enquanto enchia o copo.

Quando voltou à sala, a cena o desarmou completamente. Lá estava ela, encostada na parede, como veio ao mundo: nua, seus seios lembrando duas peras maduras, a pele de uma suavidade infantil, cabelos negros descendo até a cintura. Um pingente delicado adornava seu umbigo, e uma corrente fina cingia sua cintura como um ornamento dos deuses. Ela parecia a materialização de um sonho, uma visão etérea e terrena ao mesmo tempo.

— Eu disse que hoje era seu dia de sorte — murmurou ela, com um sorriso que carregava o peso de segredos universais.

Fonfom hesitou por um instante, mas como não era santo de nenhum altar, caiu de boca na botija. A magia da cigana e a paixão de Fonfom se entrelaçaram numa explosão de desejo e mistério, como se o universo houvesse conspirado para aquele instante que mais parecia surreal. E então, como se o sofá fosse um altar e a paixão uma prece, o improvável aconteceu.

Memórias que transcendem

Fonfom nunca se esqueceu daquela manhã em que os astros pareciam ter se alinhado para um encontro que desafiava a razão. Ao narrar essa história, seus olhos brilhavam com um misto de nostalgia e incredulidade. Há momentos que transcendem o ordinário, e há mulheres, como aquela cigana, capazes de transformar vidas de forma inesquecível.

 



(*) O apelido surgiu porque, quando criança, ganhou do pai uma bicicleta Monareta com uma buzina de borracha que emitia o som “fonfom” ao ser pressionada. O som acabou se tornando seu nome.

 

Por: Genílson Máximo

Em 27 de novembro de 2024

 

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