Sem a menor pretensão de estar escrevendo algo original,
singular, adianto que a minha motivação
para juntar esse monte de letras que chamo de texto, são as obras de
Gabriel Garcia Marques, “Memórias de Minhas Putas Tristes”, as de Jorge Amado,
“Teresa Batista Cansada de Guerra”, e Gabriela Cravo e Canela, assim como as
músicas, “Cabaré” de João Bosco e Aldir Blanc, “Folhetim” de Chico Buarque de
Holanda e “Geni e o Zepelim” também de Chico Buarque.
Farei observações
sobre as profissionais do sexo, ora como putas, ora como prostitutas, ou
qualquer outro sinônimo, seguindo o vocabulário de cada época.
Escrever sobre personagens do andar de cima ou do andar de
baixo é uma opção ideológica e não literária em minha opinião, por isso escolhi
mais uma vez escrever sobre gente discriminada, gente que apesar do
trabalho que exercia, tinha mais dignidade do que se imagina. Estou me referindo
aos proprietários de cabarés.
Quanto mais lemos, quanto mais estudamos as obras de Jorge
Amado mais percebemos o quanto ele foi grande, um homem acima de qualquer
preconceito, tanto que era muito respeitado em todos os terreiros da Bahia onde
se cultuam as religiões de matriz africana, discriminadas e perseguidas durante
séculos no Brasil.
Jorge Amado talvez tenha sido o escritor que mais deu voz às
prostitutas, ele as tratava sem qualquer preconceito, aliás em “Gabriela” essas
mulheres protagonizaram o romance, como também em “Teresa Batista cansada de
guerra”, Jorge Amado coloca a prostituta como figura central da obra.
Teresa fez de tudo, matou
o seu dono, ajudou a combater uma epidemia de varíola em Boquim (SE),
liderou uma greve da categoria em Salvador (Greve do balaio fechado), e agiu
mesmo sem saber como precursora do feminismo.
Não podemos esquecer que Jorge Amado criou uma rua em seu
romance com o nome Zé de Dome (o artista plástico estanciano com exposições em
vários países), onde morou Teresa Batista.
É inacreditável que na vida real não exista em Estância
nenhuma referência ao artista, pois a escolinha da zona rural que levava o seu
nome foi extinta.
Em Gabriela o escritor ataca o falso moralismo dos coronéis
do cacau, os homens respeitáveis que depois da missa, davam uma passadinha no
Bataclan, o cabaré da cafetina Maria Machadão, que era uma espécie de
confidente de suas meninas e também dos seus clientes.
Várias publicações registram as visitas do escritor baiano
ao “Cabaré Vaticano” em Aracaju, próximo ao mercado, em companhia do seu amigo
Dudu de Capela (Adroaldo Campos).
Na esteira da música recordei-me de “Geni e o Zepelim” do genial Chico Buarque de
Holanda que também destaca a hipocrisia da sociedade que por interesse se dobra
à prostituta Geni, chamada por ela de lazarenta, mas para não ver a cidade
destruída a salvação era recorrer a Geni, então “o prefeito de joelhos e o
bispo de olhos vermelhos” imploram a Geni.
Além dessa música Chico Buarque compôs Folhetim que também
faz referência a cortesã que em troca de qualquer presente faz o homem feliz.
João Bosco e Aldir Blanc compuseram “Cabaré” que fez enorme
sucesso na voz de Elis Regina e também na deles.
Noel Rosa antes deles gravou
“A Dama e o Cabaré”, mas pra não dizer que artistas e intelectuais não
discriminam as pécoras, Tim Maia destoou a dizer que, “este país não pode dar
certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e
pobre é de direita”, e Cazuza em tom irônico cravou: “levar a vida fácil requer
coragem”.
Esse enorme preâmbulo preparou o caminho para que eu pudesse
falar sobre os cabarés de Estância e os seus atores, um dos mais famosos foi o
do senhor Zé de Bazília, um negro alto e forte, que foi muito respeitado por
não ser hipócrita e que nunca arrastou ninguém pelo braço para ir ao seu
cabaré, que salvo engano era chamado de “Toca da Onça.” Quem o conheceu dizia
que ele era um homem distinto, muito mais distinto do que aqueles “homens de
bem” que engravidavam as “meninas” e não reconheciam os filhos.
Outra personagem dos cabarés de Estância foi uma senhora de
nome Ninha, proprietária da Boate Zíngara. Ela tratava as suas garotas como se
fossem filhas e dava duro no bar do recinto para sobreviver.
Eu nunca ouvi ninguém falar mal daquela mulher batalhadora
que sem dúvida era mais digna do que muitos dos seus clientes da
sociedade, que igualmente aqueles do
romance de Jorge Amado, depois da missa deixavam as esposas em casa e iam tomar
uma fresca na zona livre.
Ninha estava lá e não
se escondia da sociedade, enfrentava o preconceito de cabeça erguida, já muitos
clientes da "alta sociedade" entravam lá pelas portas dos fundos. Muitos deles eram comerciantes, altos funcionários públicos
e gente que depois se tornou político importante na cidade.
Como eu sei disso? Claro eu também dei os meus
passeios por lá entre os 16 e 17 anos, período que o adolescente (vítima do
machismo) era coagido a provar a sua “masculinidade" para os amigos, e
muitos eram cobrados inclusive pelos
pais machões.
Lembro-me que às 22 h pontualmente a polícia fazia uma
batida no local e exigia apresentação de documento, e se o abordado fosse menor
de idade, como era o meu caso e dos meus amigos, a coisa pegava e se não houvesse
a interferência dos proprietários para liberar, o moleque chegava em casa
rebocado pela PM. Imagine o problema.
Não exagero ao dizer que muitos pais levavam os filhos para
batizar no cabaré (não foi o meu caso) e lá escolhia a “puta” para desvirginar
o garoto, e se o moleque pegasse uma gonorreia (doença venérea) muito comum na
época, aí era que o pai e irmãos mais velhos deliravam de alegria. Era batismo
e crisma ao mesmo tempo, diziam.
Esse costume da época era uma tremenda violência contra a autonomia
dos adolescentes sobre os seus corpos, quando tinham que fazer sexo como se
fossem cavalos ou cães que agem por instinto. Onde está escrito que o homossexual não pode fazer sexo com
uma mulher e inclusive engravidá-la? É a atividade sexual que define a
orientação? Se é um ser humano hétero ou LGBT?
Voltando aos homens ilustres, eu ainda adolescente e meus
amigos da mesma idade, nos intrigávamos ao ver nos cabarés, sempre em lugares
reservados, uns com chapéu Panamá para dificultar o reconhecimento que já era
difícil por conta das luzes de cores lilás e vermelha. Como podem aqueles homens vistos como guardiões da
moralidade, os homens que mandavam na cidade andando aqui no cabaré? Essa era a
pergunta que nunca calava.
Como o meu objetivo não é escrachar ninguém, não convém citar
o nome de um cliente assíduo da zona que pagava caro as meninas mais novas só
para vê-las despidas. Na época ele era um rico comerciante septuagenário.
Outros cabarés ou boates, como queiram, existiam naquela
época. Tinham os de primeira como as Boates Zíngara e Bambu e outros de
segunda, como o cabaré de Raimundo de Jacó e o Cabaré de Cíço e o de Tomatinho.
Com o advento da AIDS essas casas noturnas entraram em
declínio e restaram só as lembranças de uma época que ficou em aberto, e precisa
ser pesquisada para entendermos melhor a complexidade de uma sociedade e a sua
cultura.
A quase extinção dos prostíbulos é assunto que pode ser
estudado de forma séria pela sociologia, porque ali havia gente, antes de ser
cafetina, cafetão, puta, eram seres humanos que chegaram por motivos dos mais
variados.
Eu passei a entender melhor o mundo marginal da prostituição
participando de reunião da ASP -
Associação Sergipana das Prostituta, que era dirigida por Dona
Candelária. Algumas reuniões aconteciam na sede da CUT. A sua atuação em defesa da categoria orientando-a na
prevenção das DSTs e também no encaminhamento para fazer cursos
profissionalizantes e mudar de vida.
Candelária dizia que o maior problema das prostitutas pobres
não era a vulnerabilidade nem a violência, mas a velhice. Ela ressaltava que
dos trinta anos a tabela de preço cai muito e depois dos 50 até fome
passam.
Muitas garotas se tornaram prostitutas porque foram vítimas de todo tipo de violência e exclusão
dentro da própria família. Candelária morreu no dia 30 de maio aos 70 anos em Aracaju vitimada pela Covid-19.
Nem realismo puro, nem romantização, o fato é que aquele
ambiente (dos cabarés) era hostil, e nele prevalecia a lei do mais forte ou do
mais esperto, e por isso quase sempre estourava uma briga violenta que poderia
terminar em homicídio, como ocorreu com Cícero, dono de uma dessas casas
localizadas às margens da BR 101.
Tudo era motivo para iniciar uma confusão, um simples
esbarrão em um desconhecido, um olhar atravessado, e até quanto o cliente
flagrava a acompanhante jogar a dose de bebida fora. O visitante pagava para a dama o acompanhar na bebida, mas
não se perguntava como elas suportavam tomar doses fortes das 18 h até
amanhecer. Claro, descartando.
Só existem profissionais do sexo se houver clientes, mas a
eles não há qualquer adjetivo depreciativo, mas para elas... prostituta,
amásia, concubina, dama, rapariga, meretriz, perdida, rameira, cortesã,
piranha, puta, messalina, vaca, bagaxa, cocota, garota de programa, marafona,
mulher de rua, mulher da vida, mulher perdida, pécora, rascoa, rascoeira,
tolerada, etc.
Eu citei somente os cabarés localizados na BR 101, e mais o
de Zé de Basília que ficava no fundo do Posto Médico Clóvis Alves Franco, mas
havia mais de quarenta espalhados pela cidade, porém como não sou
“cabaresólogo” deixarei essa pesquisa mais detalhada para outro.
Rubéns Marques - Prof. Dudu
09/06/2020
Comentários
estudo prostitutas eo direito. desejaria saber o autor deste texto para fazer citações em meus artigos