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A mangueira de Jorge Leite: fruto, memória e silêncio cantante



 No coração da Praça Princesa Isabel, no bairro Santa Cruz, existe uma mangueira que segue firme, soberana, como guardiã do tempo. Continua ali — frondosa, altiva, exuberante. Mas o que ela já viveu... ah, isso eu conto agora, enquanto olho pra ela daqui mesmo, de onde escrevo.

Ela sempre esteve ali, bem em frente à antiga casa do saudoso senador Júlio Leite — residência onde Dr. Jorge Leite morou por toda a vida. Sem dúvida nenhuma, foi o zelador sentimental dessa praça.

Ninguém sabe ao certo quantos anos ela tem. Ainda não sei! Mas lembro bem da sua copa carregada, especialmente durante a estação das mangas. Era como se o céu se escondesse entre os galhos, de tanto fruto madurinho, amarelo, com aquele perfume doce que tomava conta do ar. Bastava uma cair no chão com aquele sonoro “buf” — e pronto: a criançada corria, disputando a fruta como se fosse troféu.

Jorge Leite, sempre discreto, gostava de assistir a tudo da sua varanda. Ficava ali, sentado, vendo os passarinhos virem provar as mangas. Bicavam, cantavam, levantavam voo, voltavam. Era uma dança leve, quase espiritual. E tudo isso embalado por uma brisa suave, daquela que a gente só sente quando para pra sentir. Uma brisa favônia, como dizem os mais poéticos — e naquele contexto, fazia todo o sentido.

Aquela árvore virou símbolo. Todo mundo a chamava de “a mangueira do doutor Jorge”, como se ela tivesse documento, CPF e endereço fixo. Mas, mais do que símbolo, ela era cuidado. A Fábrica Santa Cruz disponibilizava jardineiros pra cuidar da praça. Dona Angelina, da sua floricultura, emprestava mudas — antúrios, copos-de-leite, girassóis, línguas-de-sogra. Tudo florescia ali, em volta da mangueira, como se soubessem que estavam em boa companhia.

E eu vi — vi com esses olhos — trabalhadores podando, varrendo, capinando, regando. Um cuidado que não era só com a praça, mas com a memória do lugar. Jorge Leite, silenciosamente, adotou aquele espaço como extensão de casa. E tratava como tal.

Teve um tempo — e isso ficou marcado — em que a mangueira virou árvore de Natal. Ivan Leite, o filho, teve a ideia de cobri-la com milhares de luzinhas. À noite, era impossível não passar pela praça sem parar. A mangueira iluminada virou ponto de encontro, de encanto, de infância nova e velha. Um espetáculo que durou quase uma década.

Hoje, ela continua ali. Envelhecendo com dignidade, espalhando sombra e memória. E, como toda árvore generosa, retribui: dá manga, sim, mas também oferece beleza, saúde e um tipo de silêncio que cura. Porque manga, além de ser uma das melhores invenções da natureza, ainda fortalece o coração, protege contra doenças e adoça a vida sem pedir nada em troca.

Infelizmente, nem todas tiveram a mesma sorte. Muitas mangueiras da região desapareceram. Mas a da Praça Princesa Isabel resiste. Testemunha viva de um tempo em que a cidade respirava mais devagar. Hoje, ainda promete frutos, sombra e história.

E mais: continua firme, presente, acolhendo os eventos festivos que animam o bairro. Seja nos desfiles de Carnaval, nas festas juninas ou nas comemorações do Sete de Setembro, tudo ainda se concentra ali, defronte à nossa majestosa mangueira, como se ela abrisse os braços para celebrar com o povo.

E doutor Jorge e dona Angelina? Hoje descansam na eternidade. A brisa passa, os pássaros pousam, as mangas amadurecem. E a mangueira segue firme — como testemunha silenciosa de tantas histórias vividas ali.

 

Por Genílson Máximo
Escrito em 2012.