Num desses dias em que somos tomados pelo lume da criação, sacudi as minhas lembranças, limpei o pó do tempo e entre uma linha e outra me arrisquei a compor essa crônica para cristalizar um acontecimento que eu reputo ser facecioso.
Era tarde de um domingo, 23 de maio de 2010, a cidade de Gumercindo Bessa fervilhava pelos quatro cantos com a campanha eleitoral que se avizinhava. Os festejos juninos batiam à porta da cidade e por toda a cercania inspirava-se uma mistura de política com prelúdio de "Salva Junina" que tradicionalmente ocorre no derradeiro dia do quinto mês do Calendário Gregoriano, 31 de maio.
Naquele tarde o telefone tocou e a voz oposta era do amigo doutor Gilson Andrade que me perguntava o que eu fazia - Estou dando bando no cachorro - respondi. Convidou-me a acompanhá-lo a uma visita à casa da amiga Maria do Flau, localizada à antiga Rua da Usina, a poucas braças da feira.
Eu havia comprado uma camisa dessas de gola-polo. Estava aguando uma ocasião especial para inaugurá-la. Pedi que minha esposa, Úrsula, preparasse-a; passou ferro e a deixou toda prontinha, perfumada com amaciante. Engalanado lá fui eu atender o convite do médico amigo. No momento certeiro e local combinado, lá estava eu.
Descambando a ladeira (Rua da Usina) um monte de guris corria rua à cima e rua abaixo num gracioso rumorejo a promover uma guerrinha de pitus de canos, uma espécie de iniciação às guerras de buscapés - tradição na vida da comunidade desde tenra idade -, em um dos lados da rua um trio de forró fazia um foleado de sanfona de avocar atenção.
O cantor intimou doutor Gilson a dar uma canja - Gilson é fã incondicional de Luiz Gonzaga - e a esse apelo não resistiu: pegou o microfone e ordenou - Dê um Lá Menor - e soltou a voz com a música "Asa Branca", seguida de outras do repertório do Rei do Baião. O sol já se escondia lá para as bandas do Loteamento Balduíno e a gente não conseguia arredar pé do folguedo ali, juntou gente.
Após os prolfaças lhes dirigidas, chegamos à casa da senhora Maria do Flau. Os ponteiros contaram os primeiros giros da noite. Dona Maria nos recebeu com galhardia. Mulher de talhe fino, de melenas algodoadas; levou-nos à copa onde uma mesa composta de pratos da culinária caseira nos esperava (Bobó, Caruru, Acarajé, Arraia e Pitus), um cenário de encher os olhos e dilatar a barriga literalmente.
Doutor Gilson se atracou com um acarajé (feito por encomenda) recheado de vatapá, caruru, salada e bastante camarão. Eu devorei um prato de caruru com arroz regado à pimenta-malagueta, de tão térmico, fazia-me suar em bicas.
Na etapa seguinte do nosso apetite hercúleo, doutor Gilson ofereceu-me o Pitu maior da bandeja. Confesso que fiquei com receio, mas o palemonídeo estava tão convidativo que botei o receio no bolso e parti para degustar o delicioso crustáceo. Ao desmontar o bichinho, o caldo esguichou sobre a camisa que eu inaugurava naquela ocasião.
“Que mancha é essa na camisa”, indagou a dona da casa. “O esguicho do caldo do Pitu”, respondi. “Há, meu filho, o pitu foi preparado com dendê e coco, não sai. Você perdeu essa camisa”, disse a experiente senhora.
Em 12 de outubro de 2015
Autor/Genílson Máximo
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