Pular para o conteúdo principal

João Barriga, o homem de duas vidas

“João Barriga” era um homem versátil que exerceu várias profissões ao longo da vida. Ele trabalhou como aguadeiro, vendendo água em burros. Depois, se tornou dono de uma carroça puxada por uma junta de bois, transportando pedras e materiais de construção. Posteriormente, substituiu essa carroça por uma carroça puxada por um burro, mas eventualmente perdeu esses recursos.

João Esídio dos Santos (João Barriga) viveu na Rua de São Cristóvão, no bairro Santa Cruz durante toda a sua vida. Era casado com a senhora Sofia Ferreira dos Santos e tinham nove filhos juntos. Durante a minha adolescência, eu conheci dois dos seus nove filhos, Caquinho e Nenê, já falecidos! João Barriga era conhecido, também, por ser um exímio bebedor de cana e não tinha problemas em meter o pé na jaca. Costumava bater ponto na bodega do saudoso João Lídio, vizinho à Estação Rodoviária, no bairro sede do Santa Cruz Esporte Clube.

Imergindo um pouco mais no passado, vamos lembrar-nos da construção da Estação Rodoviária, que só foi possível graças ao empenho do prefeito da época, Manoel da Franca Fróes, também conhecido como Seu Neneco. Ele liderou Estância entre 1971 e 1972 e ganhou a obra do governador do Estado, Paulo Barreto de Menezes, com a condição de que a prefeitura fornecesse o terreno necessário.

O terreno, inicialmente, cogitado para a construção pertencia ao senhor Chico de Jacinto, vizinho ao Posto de Rubens, mas estava fora do alcance financeiro da prefeitura. Seu Neneco decidiu, então, pedir a doação do terreno ao empresário Jorge Leite, mesmo sendo de corrente política rival. Surpreendentemente, o doutor Jorge, homem visionário e apaixonado por Estância, aceitou o pedido e a obra começou na gestão de Seu Neneco, sendo inaugurada em 1974, durante a segunda gestão de Raymundo Silveira Souza como prefeito.

Desprovido das suas carroças, João Barriga passou a auxiliar os passageiros no embarque e desembarque na citada rodoviária, de onde tirava o sustento da família. Entre um turno e outro ele não abria mão da sua caninha. Costumava a cantar: “O gosto da bicada eu tiro com tira-gosto, o gosto do tira-gosto eu tiro com uma bicada” (Genival Lacerda).

 Contam  que em certo dia ele saiu com alguns amigos e bebeu tanto que passou mal e precisou ser levado ao hospital, onde faleceu. Em sua casa, durante o velório, com o caixão na sala e todos os familiares e amigos em volta, seu Chico, um vizinho, lamentava a perda, dizendo que ele deixara uma esposa viúva com nove filhos e questionando o que seria daquela família agora.

No entanto, em um momento inesperado, João Barriga mexeu-se no caixão e externou:

“Quem morreu? Eu não morri não! Estou vivo!”. Todos na sala entraram em pânico e saíram correndo, inclusive um rapaz com uma perna só que correu tão rápido que nem precisou da sua muleta e foi se esconder atrás da Igreja Santa Cruz, botando os bofes pela boca.

Mas, conforme a filha de João Barriga, Dona Ivonete, essa história não aconteceu exatamente como é contada. Ela se lembra que o pai fez uma aposta com alguns amigos de que conseguiria beber um litro de cachaça sozinho. Seus amigos o levaram até a beira do rio e lá ele consumiu todo o litro de aguardente, o que o deixou muito mal. Ele desmaiou, sendo levado de volta para casa.

Dona Ivonete lembra que ele chegou em casa completamente, gelado e paralisado, sem mexer nada, estático! Sua mãe começou a dar leite numa colher e ele engolia. “Ele permaneceu neste estado por dois dias sem acordar. Após acordar, inventou a história de ter levantado do caixão, que voltara à vida, e passou a contar essa versão a todos por onde andava”, contou a filha. 

A estória foi passada de boca em boca e vive até hoje, há quase cinco décadas. Ele pode ter sido acometido de um ataque de catalepsia. Ele faleceu anos depois, em março de 1987.

 

Em 06 de outubro de 2023.

Genílson Máximo

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Estância lamenta a perda irreparável de Riviany Magalhães, ícone da Educação Municipal

  A cidade de Estância está profundamente abalada com a precoce e trágica perda da professora Riviany Costa Magalhães, vítima de um acidente na BR-101. Mestre em Educação, Pedagoga, Psicopedagoga, Advogada e ex-secretária Adjunta da Educação, Riviany deixou um legado significativo para a educação do município. Sua partida inesperada representa uma perda imensa, não apenas pela vasta contribuição profissional, mas também pela presença acolhedora que exercia nas escolas municipais, onde, com dedicação, transformava a vida de alunos, colegas e toda a comunidade. Riviany não era apenas uma educadora, era um símbolo de afeto, compromisso e competência. Sua trajetória, interrompida de forma abrupta, deixou todos profundamente consternados, pois ainda havia muito a ser oferecido. A ausência de Riviany é sentida de forma irreparável, mas seu exemplo continuará vivo, servindo de inspiração para todos que tiveram o privilégio de conhecê-la. O prefeito Gilson Andrade e o vice-prefeito André G

Os cabarés de Estância, os homens de bem e o falso moralismo

Sem a menor pretensão de estar escrevendo algo original, singular, adianto que a minha motivação   para juntar esse monte de letras que chamo de texto, são as obras de Gabriel Garcia Marques, “Memórias de Minhas Putas Tristes”, as de Jorge Amado, “Teresa Batista Cansada de Guerra”, e Gabriela Cravo e Canela, assim como as músicas, “Cabaré” de João Bosco e Aldir Blanc, “Folhetim” de Chico Buarque de Holanda e “Geni e o Zepelim” também de Chico Buarque. Farei   observações sobre as profissionais do sexo, ora como putas, ora como prostitutas, ou qualquer outro sinônimo, seguindo o vocabulário de cada época. Escrever sobre personagens do andar de cima ou do andar de baixo é uma opção ideológica e não literária em minha opinião, por isso escolhi mais uma vez escrever sobre gente discriminada, gente que apesar do trabalho que exercia, tinha mais dignidade do que se imagina. Estou me referindo aos proprietários de cabarés. Quanto mais lemos, quanto mais estudamos as obras de Jorge

Estância e as suas ruas de nomes pitorescos

Capitão Salomão, centro Por: Genílson Máximo Estância, traz de pia, nome   que  converge em  ascensão ao substantivo feminino. Nome que  agrada ouvir sua sonoridade e que não o é cacófato. Por conta da sua simbiose com o município de Santa Luzia - do qual  foi povoação - quiçá, recebeu do mexicano Pedro Homem da Costa o nome de Estância, talvez  por ser  um local de paragem, de descanso quando das viagens de comércio entre outros  os povos da época. Denominada pelo monarca  Dom Pedro II como o Jardim de Sergipe,  Estância guarda na sua arquitetura os sobrados azulejados, possui um belo acervo arquitetônico, apesar das constantes perdas provocadas por destruições e mutilações de prédios históricos. Estância  das festas juninas, do barco de fogo, dos grupos folclóricos. Estância composta  por nomes de ruas que rasgam o tempo, mesmo com  as constantes mudanças de nomes, continuam vivos no consciente popular  com os seus  pitorescos  nomes. O programa "Sábado Esperança&