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Ezequias do Trio Sertanejo fala sobre o tempo bom do forró em Estância

Ezequias, Estanciano da Gema
 

No coração do Nordeste, onde o forró pulsa como a própria alma do povo, a cidade de Estância, em Sergipe, guarda em sua história um capítulo vibrante escrito pelo Trio Sertanejo. Nas décadas de 70, 80 e meados de 90, Ezequias, Tonho Maroto e Pedro Sertanejo levaram a alegria do forró pé-de-serra a estancianos, sergipanos e baianos, com um jeito singular que transformava qualquer noite em um festejo inesquecível. Mais do que um grupo musical, o Trio Sertanejo foi um símbolo de união, cultura e resistência nordestina, ecoando os acordes dos maiores ícones do gênero e deixando um legado que ainda ressoa nas memórias dos amantes do São João.

O forró é muito mais que um ritmo ou uma dança; é a voz do sertão, a celebração da vida em meio às adversidades, o encontro de gerações sob o céu estrelado das festas juninas. Em Estância, conhecida por sua fervorosa devoção aos santos do ciclo junino – São João, São Pedro e Santo Antônio –, o forró encontra terreno fértil. É nesse cenário que o Trio Sertanejo floresceu, carregando a missão de manter viva a chama da cultura forrozeira com autenticidade e paixão.

A Formação do Trio Sertanejo

O Trio Sertanejo nasceu de um encontro casual e musical. De acordo com Ezequias, ele conheceu Pedro Sertanejo enquanto fazia uma tocata na localidade Cabeça do Boi, ao lado do saudoso Patelô, que comandava a sanfona naquela ocasião. No zabumba, Ezequias chamou a atenção de Pedro, que logo o convidou para integrar um trio musical. Dessa afinidade instantânea, nasceu uma parceria que atravessaria mais de duas décadas. O nome do grupo surgiu naturalmente: como Pedro era conhecido como “Pedro Sertanejo”, o batismo como Trio Sertanejo foi quase inevitável.

O grupo era composto por três figuras carismáticas, cada uma com sua história e talento único: Ezequias, o líder, vocalista e zabumbeiro, era o coração pulsante do grupo.

Tonho Maroto, vocalista e angelista, trazia leveza e carisma às apresentações. Durante o dia, dirigia seu Opala azul-claro de 1976 como taxista, mas nas noites juninas, sua voz ecoava canções como “Forró Casamenteiro”, de Os 3 do Nordeste, com uma energia que rivalizava com o lendário Mestre Zinho.

Pedro Sertanejo, o mestre da sanfona, era um marceneiro de profissão, mas sua verdadeira arte estava nas teclas do acordeon. Com precisão e sentimento, ele dava vida aos clássicos do forró, encantando plateias com sua habilidade.

O grupo passou por formações complementares ao longo do tempo. Além do trio original, se juntaram músicos como Toinho do Triângulo (in memoriam), Tibúrcio (guitarra), Venal (contrabaixo) e Nanã (bateria), transformando-se, em determinado período, mais em uma banda do que em um trio. A versatilidade e a capacidade de adaptação do grupo só reforçavam sua presença constante em festas locais, como as realizadas na AABB, no Cruzeiro, no XPTO e em diversos eventos culturais da cidade.

Um repertório que marcou época

O Trio Sertanejo não apenas tocava forró; eles o viviam. Quando gravadoras como RCA, Copacabana, Polydor, Polygram, Chantecler e Odeon lançavam novos discos de ícones como Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Genival Lacerda e Os 3 do Nordeste, Ezequias corria para adquirir o long-play (LP). O grupo se dedicava a ensaiar incansavelmente, incorporando os sucessos ao seu repertório com uma fidelidade impressionante. Canções como “Asa Branca”, “O Xote das Meninas” e “Forró Casamenteiro” ganhavam nova vida nas vozes e instrumentos do trio, levando o público a “gastar a sola do sapato, arrear a fivela e dar nó no cocó”.

Suas apresentações eram verdadeiros eventos comunitários. Em Estância e cidades vizinhas, assim como em municípios da Bahia, o Trio Sertanejo atraía multidões de todas as idades e classes sociais. Jovens, idosos, trabalhadores rurais e urbanos se uniam na dança, fortalecendo laços e celebrando a identidade nordestina. Cada show era uma explosão de energia, com o zabumba, o triângulo e a sanfona criando um ritmo irresistível que fazia até os mais tímidos arriscarem um passo. “Era ótimo na época do São João. Nós não parávamos”, recorda Ezequias.

“Meia Hora no Sertão”: a voz do trio na rádio

Mediante a boa performance do trio, eles foram convidados pela Rádio Esperança a gravar os programas “Boa Noite Nordeste” e “Bom Dia Nordeste”. A boa recepção do público motivou Ezequias e os colegas a conversarem com o empresário Jorge Prado Leite, proprietário da emissora, propondo um espaço fixo ao vivo. Assim nasceu o programa “Meia Hora no Sertão”, transmitido aos domingos, das 6h às 6h30. “Apresentamos por mais de 20 anos”, relembra Ezequias.

O programa logo se tornou um fenômeno de audiência. Não era raro que o trio chegasse à emissora após uma madrugada intensa de apresentações, mas mesmo exausto, entregavam-se inteiramente. Com músicas ao vivo, causos e interação com os ouvintes, o “Meia Hora no Sertão” se tornou uma extensão do trio na casa dos estancianos.

O Legado do Trio Sertanejo

A trajetória do Trio Sertanejo, que se estendeu por mais de duas décadas, foi marcada por contribuições significativas à cultura junina. O grupo não apenas preservou a essência do forró pé-de-serra, mas também promoveu a integração social e o orgulho nordestino em cada acorde. Suas apresentações eram mais do que shows; eram celebrações da vida, da comunidade e da resiliência do povo sertanejo.

Com a mudança de Pedro Sertanejo para Aracaju, onde passou a empresariar a carreira de sua esposa, Karmem Oliveira, o grupo foi naturalmente se desfazendo. “Tocamos ainda por algum tempo”, conta Ezequias. “Gravaram até um CD de forró, mas o projeto não alcançou o mesmo impacto.” Tonho Maroto passou a residir em Pedrinhas, onde também aposentou o triângulo, e Ezequias seguiu em Estância, onde atualmente é comerciante no ramo de hortifrutigranjeiros, na Rua Vicente Portela. “Nós acabamos com o conjunto, todos os amigos, não foi nada de briga com ninguém. Foi numa boa mesmo.”

O forró, com suas raízes nas tradições rurais do Nordeste, é um espelho da alma sertaneja. Suas letras falam de amor, trabalho, seca, fé e alegria, conectando o passado ao presente e preservando a memória cultural. O Trio Sertanejo, com sua dedicação e talento, foi um dos guardiões dessa tradição em Estância. Suas canções ainda ecoam nos corações daqueles que, nas noites de São João, dançaram ao som de sua música e sentiram o pulsar da cultura nordestina.

Que o legado do Trio Sertanejo inspire novas gerações a manterem acesa a chama do forró, celebrando a riqueza de um povo que transforma adversidades em festa, solidão em união e silêncio em música. Afinal, como já dizia Luiz Gonzaga, “o forró é o nosso jazz, é a nossa alma cantando”.




Por: Genílson Máximo
Em 20 de julho de 2025.