Pular para o conteúdo principal

O “Labisone” da Fonte Nova

Imagem gerada pela IA
 

No povoado de nome bordado — Flor de Veado — vive Keké, 22 anos, forte como pé de umbu. Trabalha na cidade durante a semana. Na sexta, volta e vira dono do terreiro. É baixinho, vaidoso e falante.

Além de bom de serviço, mantém o galinheiro em ordem de prateleira. Cria galinha caipira, capão e galo. Tira ovo fresco todo dia. Na roça, cultiva batata, macaxeira, cenoura, couve, quiabo e um coentro cheiroso que faz a vizinhança salivar.

Conta com a ajuda dos dois irmãos e do pai, barbeiro de conversa afiada. Se tem coisa que Keké não perde é prosa com rabo de saia. Namora muito e, como galo-anão, só se engraça com mulher mais alta. Mania que dá trabalho.

No sábado, o sítio vira feira. Gente de todo canto aparece atrás da galinha gorda, da macaxeira fresca e da conversa comprida. Keké se exibe.
— Essas galinhas são criadas com amor, milho e respeito! — anuncia, peito estufado.

O que faz a roda ferver são as histórias. Quando os amigos juntam e a cerveja gela, ele se transforma. Conta cada lorota que o povo ri até chorar. Um dia disse que foi pescar num açude da região. Céu limpo, água mansa, alma leve.
— Eu tava lá, pescando uns piaus, quando a vara quase me arranca o braço! — relata, olho arregalado.

Segundo ele, a briga durou mais de meia hora. Suor escorrendo, força no braço, até que puxou o bicho.
— Era um jacaré, não qualquer um: uns sete metros! Parecia um dragão! — grita, comovido.
Soltou o bicho “por dó e respeito à natureza”. Ninguém desmentiu. A história era boa e Keké contava com convicção.

Dias depois, apareceu apicultor. Jurou vender mel “puro, escorrido da alma das flores”. E largou o plano:
— Tô cruzando abelha com vaga-lume pra trabalharem de noite. Vai ser mel de turno noturno!
A roda caiu na risada.
— Homem mentiroso da peste! — brincou um.
— Vira político já, só de contar história! — disse outro.
Keké nem liga. No sábado seguinte, traz versão nova, mais colorida.

A lenda que coroou Keké foi o labisone da Fonte Nova. Noite de São João. Fogueira acesa, forró no terreiro, cachaça correndo em bicas. Keké e o pai tinham bebido além da conta e iam pela estrada, cantando alto:
— Duas da manhã e eu aqui fazendo merda...

De repente, deram de cara com um troço grande, peludo, de olho vermelho e rosnado grosso.
— Mainha! — gritou Keké, se enfiando atrás do pai.
— Corre, menino! É o labisone da Fonte Nova! — avisou o pai, chapéu pra um lado e perna pro outro.

Eles voltaram pro forró mais assustados que cachorro em canoa. Só foram pra casa quando o galo cantou três vezes. No sítio, cena ruim: penas no ar, galinha sumida, porteira aberta. Parecia furacão que só leva bicho de pena.

Keké, valente com plateia, armou a espingarda “soca-tempero”, subiu na jaqueira com os irmãos e decretou:
— Hoje a gente pega esse bicho. Se mexer, levo sal grosso nos zóio!
— Vai ver o labisone quer é galinha cozida — caçoou um.

Numa madrugada escura, o bicho voltou. Keké tremeu, mirou e atirou. O labisone pulou a cerca num salto e deixou um pedaço de roupa preso no prego.

Na manhã seguinte, Keké topou com Zé Bodinho, mancando e de cara amassada.
— Que foi, Zé?
— Um cachorro brabo me mordeu na rua da pista. Miserável!
Keké olhou, pensou e guardou para si: “Cachorro brabo… ou labisone fajuto?”

Nunca se provou nada. O sumiço das galinhas cessou na vizinhança e Keké voltou à feira como se nada tivesse ocorrido. De vez em quando, o pai provoca:
— Esse labisone parece demais com o da foto que tirei lá na Fonte Nova!

Moral? Em Flor de Veado, tudo é possível. Galinha voa, capão canta, abelha vira vaga-lume e labisone tropeça em prego.

Mas se você ouvir um rosnado no meio da noite, faça como Keké:

Não olhe, não pense, não reze... CORRA!

 

Autor: Genílson Máximo

Em 25 de agosto de 2025.