Houve um tempo em que a vida não se media em relógios, mas em chuvas que
tardavam e colheitas que se esperavam. Nesse tempo, nasceu no povoado
Carretéis, em Itabaianinha, agreste de Sergipe, uma menina chamada Maria Rosa.
Filha do agricultor José Máximo, era feita de barro, sol e suor. Cresceu entre
raízes de mandioca e sacas de farinha. Não teve escola nem caderno, mas
aprendeu com a enxada e a reza, com o silêncio das noites cortadas pelo coaxar
dos sapos e o sonho de uma vida mais justa.
Desde cedo, a menina olhava o horizonte como quem pressentia que a vida lhe
pediria mais. “Deus me fez pequena de corpo, mas grande de coragem”,
pensava.
Aos dezoito anos, partiu com a mala leve, carregando mais coragem que
roupas. Aracaju a recebeu com as portas do trabalho abertas, mas não as da
facilidade. Tornou-se empregada doméstica em casas de família, servindo com
dignidade, sem perder o brilho dos olhos cor de mel. Ali conheceu um homem e,
dele, a esperança de uma gravidez. Mas o destino, cruel como os deuses da
mitologia, lhe arrancou o sonho antes do choro: um atropelamento levou a filha
ainda no ventre.
Naquela noite, sozinha, ela chorou baixo para não escandalizar a dor. Mas
ergueu o rosto e disse a si mesma: “Minha filha não nasceu, mas eu sigo.
Ainda hei de florescer.”
Ferida, mas não vencida, Maria Rosa seguiu. No povoado Cedro, em Santa Luzia
do Itanhy, encontrou na usina de cana trabalho duro. Morou no arruado Rapapau,
entre casas pequenas e corações imensos. No canavial, com o facão na mão e o
chapéu protegendo o rosto, enfrentava o sol queimando a pele, a chuva
encharcando os ossos, e a injustiça de um sistema que pagava pouco e vendia
caro no armazém.
No entanto, havia festa. Aos domingos, a feirinha era um pequeno mundo
pulsante. Reisado de Zé Brinco, salto de argola, forrós nas casas de João
Milunga, João Chete, Zequinha de Jorge e Seu Lalú, o dono da bodega. Os
sanfoneiros afinavam a alegria, e Maria Rosa, mesmo cansada, sorria. “A
vida bate, mas também canta”, pensava.
Foi nesse chão de suor e canto que ela floresceu de novo. Em maio de 1962,
quase ao meio-dia, nasceu seu filho. O parto foi difícil, mas Dona Maria Dia, a
parteira, esteve lá. Entre orações e promessas, Maria Rosa fez um voto: “Se
meu filho nascer bem, Nossa Senhora do Bom Parto será madrinha dele.” E
foi. O menino nasceu forte, taludinho, embrulhado em cobertas feitas de sacos
de açúcar, lavadas no riacho e quaradas ao sol.
Mas ser mãe é carregar espada. Ainda em resguardo, ouviu de uma vizinha a
sentença venenosa: “Filho de puta não tem pai.” Maria Rosa não baixou
a cabeça. Avançou, lutou, venceu. Porque mãe, quando precisa, levanta o mundo.
Percebeu cedo que o pai da criança era ausente como sombra ao meio-dia.
Decidiu partir. Pegou o filho de três anos pela mão e caminhou até Estância,
sem um vintém no bolso, mas com coragem. Alugou um quarto na vila de Seu
Dioclécio, no bairro Porto d’Areia, e voltou ao batente. Corria entre Estância,
Aracaju e Salvador, onde houvesse trabalho. O menino ficava aos cuidados da senhora Dalvina, a tia.
A vida migrante os levou ao povoado Progresso, em Arauá, onde trabalhou por
muitas safras de mandioca. Mas Maria Rosa não se conformava em não dar estudo
ao filho. Voltou para Estância.
E assim seguiram: ela, guerreira; ele, reflexo.
Até que, num domingo, 16 de janeiro de 1983, a vida parou. Maria Rosa saiu
para visitar uma amiga no bairro Candeal. Na ponte da Cachoeira, outro
atropelamento — cruel como o primeiro — calou sua presença. Mas não sua
história.
Maria Rosa foi alimento, foi alento, foi jardim. Tornou-se terra que acolhe,
água que não seca, chama que continua a iluminar mesmo após se recolher.
É, para sempre, a Rosa de Carretéis — a que nasceu na roça e floresceu no
coração de quem a amou. A flor que não murcha na memória do filho, nem na alma
de todos os que reconhecerem, em sua luta, a grandeza da vida simples e
extraordinária.