Existem encontros cuja data a gente até esquece, mas cujo impacto permanece. A minha visita a Dona Judite Santeira foi exatamente assim: a memória falha, mas a tecnologia — essa fofoqueira moderna — registrou lá na foto: novembro de 2005.
O empresário Dr. Jorge Leite, dono da Rádio
Esperança e apresentador do programa “A Esperança Conversa com Você”, pediu que
eu fosse entrevistar a artesã na casa dela, na Rua Zeca do Forte, Cidade Nova.
Pedido feito, pedido atendido — e lá estava eu, com pose de repórter da Globo,
carregando um mini gravador Sony e uma máquina fotográfica.
Então, imagine minha moral ao aparecer na casa de
Dona Judite em um carro da empresa, motorista incluso. Cheguei distribuindo
pompa sem nem perceber.
A porta estava semiaberta, típica casa nordestina
em que a hospitalidade entra antes de você tocar. Bati palmas, chamei e fui
atendido por uma jovem — a filha da artista. Entrei, sentei, respirei… e aí
começou a mágica.
A arte que nasceu do improviso
Dona Judite, sempre com aquela voz mansa que parece
acalmar até cachorro bravo, começou a contar sua história. A descoberta do
talento veio de maneira quase cinematográfica: o marido encontrou um santinho
quebrado e ela, sem pensar duas vezes, resolveu restaurar. Daí, pulou para
montar um presépio com carneirinhos, bois e tudo mais — como quem diz: “Já que
comecei, vou fazer direito”.
Antes de se tornar artesã, ela trabalhava como
costureira para ajudar nas despesas de casa, mas a visão não colaborava. E foi
aí que fez a Deus aquele pedido que só quem tem fé verdadeira faz: “Me dê uma
luz para eu continuar trabalhando.” Recebeu de volta o quê? Inspiração — e das
boas.
Certo dia, o marido então lhe entregou um pedaço de
madeira e, com ajuda de um canivete, ela, teimosa e talentosa, esculpiu seu
primeiro santinho. Mas logo percebeu que a alma dela conversava melhor com o
barro. Escolheu a argila… e nunca mais largou.
Levou-me até a área externa e mostrou o forno onde
assava as peças. Nada de tecnologia da NASA: era arte feita na raça, no talento
e na honestidade.
O carinho de quem sabia
reconhecer talento
Antes de eu ir embora, Dona Judite fez questão de
agradecer ao Dr. Jorge Leite pela argila — sim, caminhões carregados vindos de
Itabaianinha ou Rio Real. “Quando estiver acabando, avise que eu mando outro”,
dizia ele. Generosidade reconhece grandeza — e vice-versa.
A vida de uma artista que o
Brasil deveria celebrar mais
- Nasceu: 6 de maio de 1925, em Estância.
- Descobriu a arte: quase aos 40 anos, sem professor, sem curso,
sem tutorial do YouTube.
- Dedicou-se à escultura em argila por mais de 50
anos.
- Reconhecida pelo estilo barroco e arte sacra,
com obras expostas no Brasil e até fora dele.
- Faleceu em 15 de junho de 2020, aos 95 anos —
deixando um legado que não se apaga.
Dona Judite Santeira não foi apenas uma artesã. Foi
uma escultora da fé, da paciência e da beleza. Transformou barro em devoção,
silêncio em obra-prima, cotidiano em eternidade.
Na data de hoje, o bairro Cidade Nova ganha o Memorial Judite Melo, instalado em sua
residência, onde cristalizou sua arte e o seu talento.
Por:
Genílson Máximo.
Em 24 de novembro de 2025.

