Essa crônica tem como objetivo fazer um registro, merecido, de algumas pessoas que residem ou residiram no bairro Porto D`Areia, um dos bairros mais populares de Estância, onde campeia a simplicidade, formado de pessoas humildes, operárias, pescadores, feirantes, fogueteiros; um bairro que merece um estudo mais arraigado sobre a sua extraordinária história e colaboração para a cultura estanciana.
Quanto às pessoas aqui aludidas, as conheci durante a minha meninice; indo e vindo, eu costumava cruzar por elas que vinham das suas atividades diárias. Mas, também, quero chamar a atenção para essa questão dos apelidos que é muito comum nas cidades do interior; é mais fácil identificar uma pessoa pelo codinome que pelo nome de registro. Aqui faço um apontamento para que suas histórias não rolem na vala do esquecimento.
Por volta de 1968, eu tinha seis anos de idade, quando me mudei juntamente com a minha mãe para o bairro do Porto. Parte da minha família já residia lá - minha tia, Dalvina e os filhos Carlito, Valdemar, Adelvan, Francisquinho e Raimunda. Inicialmente fomos morar em um imóvel de propriedade do Sr. Dioclécio, numa pequena vila de poucas casas nas proximidades do grupo escolar Gilberto Amado.
Em volta do grupo escolar ainda não existia muro e toda área servia para a diversão da gurilândia, onde eram realizadas peladas, brincadeiras de manja, de nego fujão. Faz-me lembrar do guarda que residia em uma casa defronte da referida escola, Seu Nelito, que ficava furioso quando a bola caía no interior da escola – o homem era bravo que só siri na lata.
O bairro do Porto é responsável pela fabricação dos fogos que animam o São João. Na época junina, inúmeros locais funcionam como fábrica de fogos (buscapés, espadas, chuvinhas, traques, cobrinhas, pitus, barco de fogo, etc.); era uma festa para a criançada a chegada do caminhão com os bambus. Os meninos ajudavam nos trabalhos menos perigosos e tinham como pagamento um punhado de pólvora. Com isto fabricavam pitus e barquinhos de fogo.
Entre os fogueteiros, citamos Zé do Pó, Totinha, Tonho Lixa, Nide Pedreiro e outros. A maioria dos fogueteiros era de pescador, mas no período junino trocavam as redes pela fabricação de fogos: Bebé, Dode, Pelé, Serafim, Tonho Pulú, Coló, filho de Zé de Rau, Galo; Zé e Fio, filhos de Dona Dadá; Zé Vaqueiro, Pirão, Zé Guga, Teobaldo e outros. Alguns desses arrotavam fumaça de valentia.
As festas juninas eram marcadas pela presença significativa dos fogueteiros do Bairro Porto D´Areia; quando a Batucada Beira-Mar, formada por mais de cem componentes, saía na rua, era uma apoteose. Concentrava-se defronte do grupo escolar Gilberto Amado. Subia a ladeira em direção ao centro da cidade fazendo coreografias, evoluções, cantando, tocando seus tambores, cuícas e porcas, ouvia-se o contato do tamanco no paralelepípedo em harmonia com a percussão.
Até chegar à Praça da Matriz, o buscapé “comia no centro”; nenhum integrante arredava o pé. No Largo da acontecia o encontro das batucadas, a do Porto com a do Botequim; era uma festa de pirotecnia, um desafio para os corajosos e era travada a popular “Guerra de Buscapés”; os buscapés fabricados pelo fogueteiro Zé do Pó eram únicos, chegavam até assobiar.
O Porto destacou-se, também, no esporte amador. Sob a coordenação de Nil, ex-lutador de Box, fora criado o Porto Alegre Esporte Clube. Desse time podem-se destacar grandes craques: Seu Dil, Dê Alemão, Zé Raimundo de Bú, Adelvan, Tonho de Severo; colaboradores como, Manuca, Zé Mirucaia, Filomeno, Domingos da Cooperativa; do segundo quadro, recordo-me de Carlito, conhecido por Caneco. O Porto Alegre Esporte Clube proporcionou grandes alegrias aos porto-alegrenses.
Parte das pessoas residentes no Porto D Areia tirava o sustento da família através da venda de mariscos e moquecas assadas na palha da banana, bem temperadas e apimentadas: Dana Dadá, Dona Maria Lúcia, mãe de Tunda e esposa de Berú; Dona Bizuí, mãe de Cabeção, de Zé Guga e esposa de Filomeno; Dona Joaninha e Nathália, ambas, filhas de Seu Elias, um dos melhores carpinteiros da época e Dona Maria de Irineu; essas senhoras vendiam suas moquecas na feira livre e nas ruas da cidade.
Outros nomes, também de expressiva importância no bairro: Dona Finha da Bica, Dona Maura, Maria de Maura; Dona Filomena, viúva de Dedé Sombrinha; Dona Rosinha, Lió Pescador, Pepa (operário), Dona Quena e Malú (vendiam frutas do quintal). Zé de Bina, Anísio, Joãozito e Joel, donos da bodega mais freqüentada; Dona Rosinha e Seu Zé Manteiga, pai de Bego.
Após desfilar toda essa riqueza sócio-cultural não podia deixar de falar da beleza que é estar no Alto da Conceição, onde está o Cristo Redentor, de braços abertos para a cidade. Do local, pode-se desfrutar de um belíssimo mirante, de onde se vê os manguezais, coqueirais, maré, os velhos trapiches responsáveis pela carga e descarga da produção regional, até meados do século XlX. O Bairro do Porto é um dos locais mais bonitos de Estância, cartão postal que encanta os visitantes. Aqui debruço o meu coração sobre a lembrança de um tempo que ficou para trás, saudades que enchem meu jacá,
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