Ele não media esforços para atender bem o cliente |
Que
belas lembranças da década de 70! É verdade que o tempo passa rápido, mas certas
memórias conseguem nos transportar de volta a uma época mais simples e cheia de
encantos. Relembrar a infância e os elementos que compunham o cotidiano
daqueles tempos nos envolve numa doce nostalgia.
Nas manhãs de domingo, os
meninos dos bairros Botequim, Porto D'Areia, Santa Cruz, da Rua da Usina, da
Rua da Bahia e da Rua da Rosa se reuniam no Jardim Velho — atualmente conhecido
como Praça Orlando Gomes — para colher oitis maduros. Depois, desciam pela Rua
do Cravo e faziam uma parada obrigatória na Bodega do Seu Ciço, na Rua da
Baixa. Ali, Seu Ciço os recebia calorosamente, oferecendo balas, pirulitos e
chupa-chupas. Embora não tivesse filhos, ele nutria um carinho especial pela
molecoreba que frequentava sua bodega.
Naquela
época, era comum as crianças irem tomar banho na maré, em um lugar chamado “Os
Portinhos”, na parte baixa da Rua do Aquidabã. Ali, um banco de areia branca,
cercado por ingazeiras, tinha cordas amarradas nos galhos, que serviam de apoio
para mergulhos nas águas do rio Piauí.
Possuir
um aparelho de televisão era um luxo reservado a poucos à época. Seu Ciço, no
entanto, tinha uma TV de 24 polegadas, em preto e branco, da marca Philco, que
ficava orgulhosamente posicionada sobre uma geladeira Kelvinator azul-claro, de
cantos arredondados do lado interno do balcão. As novelas ‘Irmãos Coragem’,
‘Saramandaia’ (Globo) e ‘Jerônimo, o Herói do Sertão’ (Tupi), eram as
preferidas do público local.
Para
captar as imagens, era necessário o uso de uma antena de quase 20 metros de
altura — as populares “espinhas de peixe” —, que trazia imagens difusas da
Bahia. A televisão de Seu Ciço era uma novidade na freguesia que despertava
entusiasmo na vizinhança, atraindo moradores dos bairros Botequim, Cachoeira,
Porto e Candeal para assistir aos programas como ‘Os Trapalhões’, ‘Fantástico’,
‘A Praça da Alegria’ e o ‘Programa Silvio Santos’.
Outro
ícone daqueles tempos era a vitrola em
móvel no interior da bodega. Com luzes coloridas no compartimento do
toca-discos, ela criava um ambiente encantador. Os meninos, fascinados,
passavam horas observando enquanto Seu Ciço colocava soldadinhos de plástico
sobre o disco, que giravam em um movimento hipnotizante. O ambiente era animado
pelas músicas de artistas como Ludugero, Marinês, Luiz Gonzaga, Jackson do
Pandeiro, Genival Lacerda e o Trio Nordestino.
A
bodega de Seu Ciço era um verdadeiro armazém de variedades, oferecendo de tudo
um pouco: materiais de costura, produtos de limpeza, alimentos, além de itens
de uso diário como carvão, cordas, utensílios domésticos; comercializava
cigarros: Clássico, Astória, Hollywood, Continental, bem como fumo em corda,
cachaça pura (cruaca), querosene Jacaré, bolachinhas de goma, bolachão Chapéu de
Couro.
Sobre o balcão, ele mantinha uma frasqueira
giratória com tampa de alumínio, recheada de balas Apache, chiclete Ping-pong,
doces de leite, mariolas e outras guloseimas. Ele atendia a todos com
cordialidade, vendendo desde meia caixa de fósforos a pequenas porções de óleo
de comida, açúcar ou café. Seu lema era garantir que ninguém saísse sem o que
precisava.
Dona
Bené, sua auxiliar no balcão, era uma senhora de cor preta, cabelo crespo e
corpo volumoso, dentes brancos, sorriso largo. Muito elegante! Se adornava com
vestidos longos até os tornozelos. Em uma ocasião memorável, um homem com
problemas mentais entrou na bodega e pediu: “Ciço, embrulhe cinco cruzeiros de
cabelo xuim.” Rindo, Seu Ciço retrucou: “Deixe de bestagem!” Mas foi Dona Bené
quem, munida de uma vassoura, o expulsou, dizendo: “Aqui está o xuim, seu
atrevido!” O homem saiu correndo.
Torcedor
fervoroso do Corinthians, Seu Ciço ficava especialmente animado nos dias de
jogo. Preparava a sala de sua bodega para receber os convidados e assistir às
partidas em sua televisão. Ele sempre inovava para agradar e fidelizar a
clientela. Reservava uma garrafa de aguardente Baiúca e um prato com requeijão
em fatias, estava feita a recepção! Sinho, um dos clientes mais fidelizado,
chegava à bodega pela manhã e só saia já entardecendo após engolir todas –
milona, pindaíba, capim-santo, cidreira, pau-ferro, etc.
Seu
Ciço tinha um estilo singular: usava as calças bem ajustadas acima do estômago
e ostentava um corte de cabelo peculiar, com laterais raspadas e um topete
frontal, lembrando o visual de Ronaldo na Copa do Mundo. Ele era figura certa
nos funerais de conhecidos e amigos, sempre bem-vestido com seu chapéu de baeta
preto e carregando um guarda-chuva no antebraço.
Natural
de Riachão do Dantas, no agreste sergipano, Seu Ciço trabalhou por 17 anos na
fábrica de tecidos Santa Cruz. Ele foi
um cidadão de ações de vanguarda no comércio, um cidadão reconhecido por sua
integridade e bondade.
Seu
Ciço descansa no Cemitério da Piedade, na cidade de Estância. Faleceu em 10 de
dezembro de 1995.
Genílson Máximo
18 de setembro de 2011.
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Parabéns pela iniciativa.