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     O forrozeiro Mestre Zinho esteve em minha casa em 2004

 

Remexia nos meus alfarrábios empilhados na estante. Neles, contidas recordações, recortes de tempos pretéritos, objetos que cristalizaram conhecimentos e experiências que sedimentaram o meu pisar. Deparei-me com uma foto que tive a oportunidade de tirar ao lado do forrozeiro "Zinho", ícone da música nordestina, natural de Rio Largo, interior de Alagoas, mas que não tirava o pé do solo sergipano onde era carinhosamente acolhido.

Eu não consigo lembrar o dia, mas o mês, sim, era setembro de 2004, estávamos em campanha eleitoral para prefeito. A disputa era formatada pelos candidatos Ivan Leite (PSDB), Zé Nelson (PPS), Professor Dudu (PT) e Joílson Menezes (PCdoB). Era uma tarde, por volta das 14 horas, mês das flores. Eu descansava do almoço, estava na varanda, observei que um carro havia estacionado na porta de casa.

 "É aqui que mora Genílson, secretário de Dr. Ivan Leite"; achei que fosse alguém tirando onda, nem dei atenção. Segundos depois bateram palmas, atendi. Para minha grata surpresa era ele, Mestre Zinho, com aquele jeito alegre, meio polido, meio matuto, como se já me conhecesse; já foi estendendo a mão e me desejando Boa tarde.

 A que devo a honra da visita, indaguei. "Quero chegar a doutor Ivan Leite. Fui informado que você é o secretário dele. Ele é candidato a prefeito, será vitorioso e se eu cantar pra ele, ai, é que a moçada vai votar nele ainda mais", disparou sorrindente. De imediato liguei para doutor Ivan Leite que concordou em recebê-lo no escritório da Fábrica Santa Cruz. Na hora e no local combinado aconteceu o encontro. Ivan Leite contratou o show.

 O palco para receber o artista foi montado na Rua Capitão Salomão (centro comercial), defronte da Farmácia JB, a frente do palco voltada para os Correios. O serviço de som ficou por conta de Washington do Hiper Som, filho de Sivaldo do Hiper-Som. 

Na noite combinada, praça lotada, sem espaço para uma formiga. Do lado do antigo Bar Central se enfileiravam barracas de doces, lanches, coquetéis, bebidas; o ex-deputado e ex-prefeito Pedro Siqueira dividia a balaustrada da sua residência com familiares para ver o evento com visão privilegiada. No palco, os majoritários Ivan Leite e Gilson Andrade, os candidatos a vereador se perfilavam. José Félix era o coordenador de palco, eu estava como locutor-apresentador do evento.

Por volta das dez da noite a praça fervilhava de espectadores, até os adversários políticos estavam presentes. Ali no palco se apresentava um dos ícones da cultura do forró, que integrou o trio de forró Os 3 do Nordeste, agora com carreira-solo e bem sedimentada. 

Engalanado numa indumentária típica dos forrozeiros, camisa manga-longa, de tecido mole e de cor branca, calça da mesma cor; sobre a camisa um jaleco de couro cravejado de pedras reluzentes; sobre a extremidade do encéfalo um chapéu trabalhado em couro de boi, com detalhes reluzentes, em duas cores, homenagem ao Rei do Baião Luiz Gonzaga.

 Segurava o triangulo com o seu jeito peculiar, fazia evoluções rítmicas no palco, acompanhado pela Banda Girassol, que fazia o asfalto pegar fogo com tantos a dançarem agarradinhos ao som da acordeona, da zabumba, do triângulo, tendo como coadjuvantes, teclado, guitarra, baixo, metais e back vocal. Uma festa sem igual.

 "Eu fui contratado para cantar por duas horas. Mas, a festa está como eu gosto, lotadinha, apertadinha, muita mulher bonita e eu, que já tomei uns três uísques, tou com a moléstia, vou cantar mais uma hora, por minha conta, visse", e danou-se a cantar.

 Mestre Zinho, com o seu estilo peculiar de cantar, fazia a galera esquentar o mocotó, bigode dá nó em cocó e debulhava com maestria todas as nuances do forró passeando pelo xaxado, xote, marcha, arrastapé e baião. O seu forró era diferente, quente, corrido, ligeiro, repentino, arrochado. Precisava ter muito fôlego, bom diafragma para cantar ao seu estilo. Foi dos melhores protagonistas da cultura nordestina, lutou até o fim da vida em defesa do forró.

 Teve uma passagem de oito anos pelo trio Os 3 do Nordeste, ao lado de Parafuso, Agamenon; em 1988 deixou o trio e seguiu carreira-solo, contratado pela Gravadora Polygram.  É dono de inúmeros sucessos como "Gelo na farinha", "Machão apaixonado", "Ninguém segura nosso amor", "Ai o pau come", entre outros.

Como ele profetizou, aquela campanha (2004) foi abraçada pelos estancianos, Ivan Leite venceu com 15.603 votos, contra 9.384 de Zé Nelson, 4.542 de Professor Dudu e 694 de Joílson Menezes.

Ao fechar os meus alfarrábios guardei a fotografia que tirei ao seu lado como se guarda uma joia. Pra mim ela tem muito valor, porque sou um entusiasta da cultura nordestina e quero deixar essa lembrança para os meus descendentes.

Erivan Alves de Almeida, 63 anos, alagoano que ficou conhecido no Brasil inteiro como "Mestre Zinho", o mestre do forró, faleceu em 31 de janeiro de 2010, no Hospital Mário Kröeff, no bairro da Penha, cidade do Rio de Janeiro. O cantor recuperava-se do tratamento de um câncer de próstata e havia sido surpreendido pelo crescimento de um nódulo pescoço.

 

 

Genilson Máximo

Em 14 de abril de 2017.

 

 

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