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As Ventas e as Ventosidades


Por: Antonio Samarone)

(Imagem ilustrativa/Google)


Entre os sentidos, o olfato é o mais desprestigiado. Tido como um sentido animal, tosco, inferior. Apesar de se possuir um nariz apurado, um bom faro, tenha lá as suas vantagens. O papel do odor, do cheiro e do fedor das pessoas e das coisas passam despercebidos. Já existem provas que o cheiro de cada um é único, específico, e que os cegos desenvolvem o olfato a ponto de reconhecer as pessoas pelo cheiro.

A importância do olfato só é sentida quando se perde. Lembro-me do desespero de Seu Germano, um paneleiro de Itabaiana, que teve anosmia temporária (perda do olfato), pela destruição das papilas olfativas, em decorrência do peido de um saruê (gambá), na tábua da venta.

O cheiro (perfume) é um item fundamental na sedução amorosa. No século XVIII, na Inglaterra, existia uma lei que punia as mulheres que atraíssem, seduzissem, ou levassem traiçoeiramente às núpcias um cidadão britânico, valendo-se de perfumes, maquiagem ou loções cosméticas. Aqui em Aracaju, eu acompanhei a campanha de certo candidato a prefeito, que para atrair o eleitorado, no corpo a corpo, a cada meia hora, aspergia perfume no corpo, atenuando o mau cheiro do suor dessas ocasiões.

“Perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo”, diz a mulher adultera dos Provérbios (7,17). O Profeta Maomé adorava três coisas: as mulheres, as crianças e os perfumes.

O homem é um animal malcheiroso, catinguento. O suor, o bafo, a urina, o sovaco, o chulé, as secreções sebáceas, a caspa, o esperma, o peido, o arroto, os excrementos, exalamos podridões por todos orifícios e poros. Com um detalhe, só quem fede é o outro. O corpo precisa ser higienizado com frequência, para se tornar suportável.

As doenças e a morte têm os seus cheiros. Avicena aconselhava aos médicos a exercitar bem o seu faro. Freud, afetado por um câncer no maxilar, sofreu ao ver o seu cachorro volta-lhe as costas, por causa do odor que emana de suas carnes deterioradas.

Modernamente, conferirmos o cheiro alheio, com aqueles dois beijinhos na face, quando nos encontramos. O ranço do desodorante vencido e o fedor de boca (halitose), são sempre conferidos.

Os lugares, os fatos, os bichos e as coisas têm os seus cheiros. A terra molhada, o café torrando, os alimentos, a manga rosa, a carocha, o carro novo, os mangues, os peixes, as rosas, o fumo, o mar, o caxixe, a cebola, os vinhos e a praia formosa, em Aracaju. Essa última, cheira a ovo podre!

O Beco Novo tinha cheiro. Quando se assava tripa, se sabia qual era o cardápio do sujeito naquele dia. O cuscuz cheirava quando estava pronto. O beco novo não tinha rede de esgoto, e poucas casas possuíam latrinas. Na escola de Dona Helena, as necessidades eram feitas no mata-pasto. A cocada-puxa de Dona Rosita, o arroz-doce de Dona Marinete, o manauê de puba de Dona Gemelice e os pasteis de Birunga tinham cheiros. As rezas de Seu Mané Barraca tinham cheiro.

“Isso não está me cheirando bem”, se diz sobre os fatos desagradáveis.

As missas tinham cheiro. O Vaticano II acabou com o uso do incenso nas missas. Tirou o encanto. Está gravado em minha memória olfativa, a passagem do coroinha balançando o turíbulo, borrifando uma fumaça cheirosa sobre os fiéis e os infiéis. Os Reis Magos levaram de presente a Cristo, ouro, incenso e mirra. Em Itabaiana até o padre tinha cheiro, era o Bode Cheiroso.

Se um cheiro é bom ou mau é apreendido. São os valores culturais que cheiram ou fedem. As crianças não têm repulsa pela urina, nem pelas fezes. Elas adoram cheirá-las, brincar ou divertir-se com elas. Se deixar, levam à boca. As crianças evocam o pum, não escondem. Os excrementos não possuem mau cheiro para quem os produz.

Vamos parar por aqui, para que não comece a cheirar mau.

Antonio Samarone.

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