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A PIMENTA PÔS FOGO DEBAIXO DA SAIA


Por:Genílson Máximo


O fato que ora relato é verídico. O dia não me consta no caçuá das memórias. Aconteceu no calorão de dezembro do ano de 1969. Meu pai foi convidado pelo compadre de fogueira para participar de uma taipa de casa. Esse compadre atendia pelo nome de Tomé de Tininha e tinha um filho chamado Totinha, este havia carregado uma mocinha das cercanias e precisava construir uma casa, os nubentes já tinham convidado a visita da cegonha.

Na manhã daquele dia, por volta das oito horas, lá estávamos. Os convidados iam chegando um a um. Alguns montados a cavalos, outros através de carroças e os mais jovens preferiam as modernas bicicletas Monark, aro Pelé.

Seu Tomé já tinha preparado o barro no  dia anterior. A nova casa era coberta de capim-sapé, as paredes erguidas com caibros e varas de biriba amarradas de cipó, faltava apenas o barro para finalizar as paredes externas e internas.

Homens se revezavam na tarefa de pisar o barro em busca de uma combinação homogenia, para, então, ser utilizado no fechamento das paredes de taipa. Aos poucos, o barro era transportado sob o alarido dos trabalhadores, todos a conversar ao mesmo tempo, assuntos atravessados, tal qual uma cacofonia.

Na cozinha um grupo de mulheres se esmerava no preparo do almoço para os voluntários. Enquanto algumas trabalhavam no abate de aves como pato, guiné, galinha caipira, outras cuidavam do preparo do feijão verde, da fava verde; panelonas de barro a ferverem ao fogão de lenha, deixavam escapar o aroma do cozido ali preparado. O cheio era tão saboroso que fazia a barriga roncar mais que o fole de Gerson Filho.

A casa do Seu Tomé, vizinha, era também de taipa, sem reboco, cercada de alpendres; a porta da frente era ladeada por duas janelas; em cada uma havia uma gaiola pendurada com aves; bancos de madeira, construídos de jaqueira, se espalhavam em número de seis cercando a casa pelas laterais.

Arvores cercavam a residência tais como: cajueiro, jaqueira, goiabeira, mangueira; próximo do quintal via-se o plantio de macaxeira, mamoeiro, capim santo, cidreira, pimentas de vários tipos - dedo de moça, malagueta, de cheiro, sete molhos e outras -, Dona Tininha, dona da casa, dava as ordens e gerenciava o batalhão de mulheres.

Já perto do meio dia os "engenheiros" já tinham dado uma baixa no estoque de água que passarinho não bebe - milone, pindaíba, pau ferro, cruaca; o efeito etílico revelava cantores, uns imitavam o cantor Teixeirinha, outros Waldick Soriano, e o dia parecia estreito para comportar  a alegria dos fanfarrões.

A hora cortava  o dia  ao meio. A  fome se agigantava com o cheiro das comidas que escapava dos panelões ali debaixo jaqueira, o que também atraía os cães, piaba, traíra, robalo.

Havia três mocinhas de aproximadamente 14 anos. Uma delas de nome Carmosa.  Sua beleza  roubava os olhares dos jovens presentes. Era difícil não dar uma espiadinha. Tinha que se certificar se o pai não estava por perto, o velho era intratável. Essas ficaram encarregadas de abastecer as vasilhas de água. Vez e outra desciam a ladeira para pegar água no riacho que ficava a cerca de cem metros da casa.

Dentre as mulheres que cuidavam da comida, havia uma senhora que atendia  pelo nome de Maria de Bodé. Uma mulher corpulenta, de quadris largos, de pernas bem torneadas, forte, de uma estampa atraente, morena clara, de voz grosa, de seios volumosos, lábios carnudos, bonita de dispensar qualquer lustre.

Falavam que ela não usava calçola.  Vestia-se de blusa de mangas longas, estava sempre de lenço sobre a cabeça e usava saias compridas. Nós, meninos, ficávamos a imaginar como seria aquele mulherão sem aqueles vestidos latos. Era uma mulher de lida, cuidava das aves, dos animais, montava a cavalo, cuidava do plantio, da família; esposa de Zé de Cirilo.  

Ouviu-se o burburinho da promessa de servir o almoço. Maria de Bodé, no terreiro do quintal, se agachou para preparar um molho de pimenta de cheiro - daquelas vermelhas, no formato de uma acerola -, dentro de uma cuia ela tentava esmagar algumas pimentas com um talo de abóbora (no formato de um amassador de alho); nesse entremeio, ajeitou a saia e danou-se a machucar as pimentas.

Eu queria ser um dos primeiros da fila e fazer o prato. De repente ela deu um pulo, um grito estranho, lascou bem alto "Porra"; eu a vi disparar ladeira a baixo em direção ao riacho e a sacudir a saia. As outras mulheres desceram atrás em disparada. Será que naquele dia ela estava sem a calçola e a pimenta pôs fogo debaixo da saia dela? Ela ficou horas a fio dentro do riacho. Naquele dia o almoço atrasou.

 

 

Genílson Máximo

Em 13/12/2019

 

 

 

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