Autor:Professor Dudu
Há uma unanimidade entre aqueles e aquelas que gostam de
apreciar uma gelada ou uma água ardente,
de que a bebida do bar é melhor do que a de casa. Eu imagino que não é a
cerveja nem a cachaça, mas são o papo e a música que fazem a diferença.
Nem sempre o que conta é se o bar é grande ou refinado,
prova disso é que um dos barzinhos mais frequentados do mundo é o "La
Bodeguita del Medio" em Havana (Cuba) fundado em 26 de abril de 1942.
Famosos frequentavam o local, como o escritor
norte-americano Ernest Hemingway, o Nobel de literatura Pablo Neruda, o cantor
norte-americano Nat King Cole, o presidente do Chile Salvador Allende, Danielle
Miterrand (primeira dama da França) etc.
Algumas vezes passei em frente e não entrei porque estava
lotado e o espaço é muito pequeno. Lá costuma ter mais gente bebendo em pé do
lado de fora do que dentro.
Outro bar muito frequentado é o “El Floridita” também em
Havana. Da última vez bebi lá com Hermann e o velho Dilson Águia. Dilson
aproveitou para tirar uma foto ao lado da estátua do ilustre frequentador
Ernest Hemingway em bronze tamanho natural.
A década de 80 foi muita rica culturalmente no Brasil, com
produções importantes no cinema, passando pelas artes cênicas, plásticas e pela
música.
Diferentemente de hoje, na velha Estância havia muitos bares
para se beber, naturalmente, e também ouvir música notadamente MPB porque outro
gênero em alguns deles era discriminado.
Olhando pelo retrovisor do tempo e mirando os anos 80
percebo que havia um muro intransponível entre aqueles e aquelas que gostavam
da MPB e o “resto”.
Não se respeitava outras preferências, não se fazia qualquer
concessão, havia uma empáfia intelectual contra, por exemplo, quem ouvia a
música sertaneja – de novo estilo – que começava a conquistar espaço.
Eu era um dos preconceituosos e só andava com amigos que
tinham o mesmo gosto musical, diferentes somente na torcida do time de futebol.
Obviamente que hoje há músicas com conteúdo e músicas
desprovidas de qualquer sentido, e sobre isso Gilberto Gil recentemente em
entrevista à TV ao ser questionado sobre o péssimo momento musical que o Brasil
vive, respondeu: “vocês querem o que? Essa rapaziada nasceu nas favelas,
periferias, sem acesso a educação, não tendo direito a nada, você espera que
eles falem de física quântica nas músicas?”
Acho que é mais ou menos por aí. Eu continuo gostando do que
gostava nos anos 80, mas já não critico as músicas de letras simplórias, não
levanto mais de um bar por conta de um gênero musical que eu não aprecie.
Como não existem mais aqueles bares que a gente sabia o que
se tocava lá e nos agradava, hoje ouço música enquanto irrigo os rins com uma
gelada nas casas dos poetas Miguel Viana e Hilton Tarquínio.
Eu me lembro de pelo menos cinco barzinhos dos anos 80 onde
se ouvia MPB de boa qualidade: o “Álibi” que funcionou na Rua João Joaquim de
Souza anexo a casa de Zé Paulo de Araújo, e pertencia a jornalista Nadja
Piauitinga e Marcelo Vieira, funcionário do Banco do Brasil.
Era um espaço frequentado por gente do teatro, da música, da
poesia, sindicalistas e militantes de esquerda. Os próprios donos do Álibi,
Nadja e Marcelo atuavam e coordenavam um grupo de teatro.
Parte da ornamentação era composta por quadros (grafite) de
autoria de Francisco, hoje professor da Universidade Federal em Feira de
Santana.
Além da música de vitrola tinha também música ao vivo (voz e
violão) com Chiko Queiroga e Antônio Rogério, Alberto Pelôco (Betinho), Marcos
Vilanova...
O Álibi foi sem dúvida um espaço de vanguarda, tão diferente
que os proprietários não visavam lucro, mas a sua manutenção para falar de
cultura e política.
O Clube dos Poetas de Estância também tinha guarida lá.
Usava o espaço para os ensaios e também os recitais.
Que outro bar naquela época abriria as portas para desfile
de transformismo na conservadora Estância? Pois é, o Álibi abriu. As meninas de
Zé Paulo e Dona Maria colocavam Estância de cabeça para baixo (hehe).
Certa vez a jornalista Nadja Piauitinga escreveu um artigo
no jornal local Folha Trabalhista, denunciando a qualidade da alimentação
servida para os operários do Grupo Constâncio Vieira (fábricas têxteis) e deu o
maior problema para o Jornal.
O casal Zé Paulo e Dona Maria teve quatro meninas: Nadja,
Nadiselma, Nailsa e Nívea. Zé Paulo tem um filho nascido antes do casamento com
Dona Maria, de nome Milton.
As reuniões para a composição da direção provisória do PT
aconteceram lá e por algumas vezes a professora Neilza (UFS) e Silvio Santos
(Sindicato dos Bancários) foram a Estância representando a direção estadual do
partido, e em um segundo momento depois de fundada a direção provisória, as
presenças de Tânia Magno e Rosemiro – ambos eram professores da UFS – passaram
a ser frequentes.
Os chamados – na época – meninos e meninas do PT de Estância
eram: Marcelo Vieira, Artur, eu, Alaôr, Vagner, Nadja Piauitinga, Leide
Catuninho, Riso França, Paulo César, Acácio, Domingos do SINDISA... Zé Reis e
Beto (meu irmão) eram os mais velhos dentre os primeiros filiados.
O fato é que naquele momento o ranço do autoritarismo
deixado pela ditadura militar ainda era forte, e por isso conseguir um espaço
para reuniões com objetivo de fundar um partido de esquerda não era fácil, mas
a casa de Zé Paulo e Dona Maria estava sempre de portas abertas e acolheu uma
turma de jovens – comunistas e anarquistas – que queria mudar o mundo.
Digo isso porque a garagem onde funcionou o Álibi e que
depois abrigou as reuniões do PT pertence até hoje a Zé Paulo.
Não foi coincidência, mas a atmosfera democrática da garagem
mágica de Zé Paulo de Araujo e Dona Maria, que fez com que a primeira reunião
para fundação do SINTEME - Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município
de Estância também tivesse acontecido lá. Lembro-me como hoje da reunião. Todos
de pé.
O Partido dos Trabalhadores, o movimento sindical, o
movimento cultural etc. devem ou não devem a Zé Paulo e Dona Maria?
Outro bar foi o “Raízes” que funcionou em um casarão
colonial (já demolido) na Rua Dr. Pedro Soares, vizinho ao antigo Hotel
Continental, próximo a Praça Barão do Rio Branco. O dono era o professor
Joaquim Costa (falecido).
Lá era outro lugar tão bacana onde se podia ouvir MPB e
tomar uma cerveja sem perceber a noite virar.
Joaquim era uma figura humana fantástica. Sempre alegre e
festivo e por isso terminava bebendo tanto quanto a clientela.
O Bar “Cortiço” funcionou na Rua General Pedra em frente ao
Colégio Municipal Julio Leite, e o dono era um rapaz de nome Marcos. A
ornamentação do ambiente era de bom gosto, quase tudo era artesanal e a música
requintada.
O “Zanzibar” funcionou no Caminho do Rio (Rua Pedro Homem da
Costa) em um casarão colonial e era de propriedade de um rapaz casado com a
filha de Seu Lindinalvo Amor da Farmácia Roma. Era outro lugar bacana para se
beber e ouvir MPB.
O “Axé babá” funcionou na Rua do Queiroz, próximo a
Maçonaria e pertencia a três irmãs. Elas fecharam o bar porque uma passou no
concurso do BANESE e outra foi estudar na UFS.
Existiam outros bares, mas não havia critério quanto a
música, a exemplo do “Juruna`s Bar” que funcionou no fundo do atual prédio da
Caixa Econômica. Antes no mesmo prédio existiu o "Bar Esquisito".
Outro Bar muito movimentado foi o Bar Lanche Frutas que
funcionou na esquina da Rua Camerino com a Rua da Boa Viagem, em frente ao
antigo Cruzeiro. O proprietário era Seu Edir, pai de Dailton de Castro,
contador e membro da Academia Estanciana de Letras.
Nos finais de semana havia discoteca no Cruzeiro e o Bar
“Lanche Frutas” (em frente) era o ponto de concentração na entrada e na saída
do clube e seu Edir, o rei da paciência, aturou milhares de bebuns enquanto
esteve lá.
De vez em quando a direção do Cruzeiro promovia concurso de
dança influenciada pelo filme estrelado por John Travolta e Olivia Newton John,
“Os Embalos do Sábado a Noite”, ou The Saturday Night Fever.
Os campeões das pistas de dança eram: Caxiado, hoje
professor de Educação Física, parece-me que Adelízia (na época era namorada de
Caxiado) e Zenilda; filha do seresteiro Zito Santana e Dona Felismina.
Havia Discoteca também na AABB organizada por Chico Arruda
(funcionário do Banco do Brasil) e dono dos equipamentos de som. O Dj era Zeno
Santos e eu de vez em quando o auxiliava.
O nosso pagamento era em cerveja, e pra piorar Chico Arruda
bebia mais do que nós dois.
A discoteca era uma febre em todo o Brasil, e em Estância
tinha no Cruzeiro (som de Zé Augusto) , AABB (som de Chico Arruda), na sede do
“Nosso Jornal” (som de Manelão), na Escola João Nascimento Filho e Júlio Leite
(som de Moscou), no Grêmio União Têxtil (som de ?), Bar de Seu João na Rua dos
Ferreiros (som de Jomar, hoje professor), Na Escola Técnica (som de Moscou)...
Alguém me lembrou do Bar Calango Vascaíno que pertenceu ao
Seu Zé Pinto (pai do amigo Topó Gigio), na esquina do Parque Velho com Rua do
Cravo, mas o Calango foi do início dos anos 70 e não 80.
Em Aracaju no Bairro Grageru funcionou o “Bar Gosto Gostoso”
reduto da esquerda. (os donos eram Fernandinho Montalvão e (?). Não há um (a)
único (a) petista da velha guarda que não tenha passado por lá. Acredito que
certa vez Déda levou Lula pra tomar uma “garapa” no Gosto Gostoso.
Vejam o que ouvíamos nos anos 80: Engenheiros do Hawaii, Kid
Abelha, Plebe Rude, RPM, Titãs, Legião Urbana, Blitz, Capital Inicial, Marina,
Paralamas do Sucesso, Roupa Nova, Barão Vermelho, Rita Lee, Lulu Santos,
Cazuza, Milton Nascimento, Beto Guedes Djavan, Chico Buarque, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Simone, Elis Regina, Maria Bethania, Gal Costa, Luiz Caldas,
Amelhinha, Zé Ramalho, Jorge Alfredo & Chico Evangelista, Raimundo Sodré,
Elba Ramalho, Benito de Paula, Tim Maia, Sá & Guarabira, MPB 4, Belchior,
Alcione, Luiz Melodia, Moraes Moreira, A Cor do Som, Zizi Possi, Eduardo
Dussek, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Almir Sater, Zé Augusto etc.
As internacionais eram: Duran Duran, U2, Dire Straits, The
Smiths, Donna Summer, The Cure, Van Halen, Skid Row, Whitney Houston, Cyndi
Lauper, Paul McCartney, Lionel Richie, Prince, Tina Turner, George Michael, Jon
Bon Jovi, Michael Jackson, Pink Floyd, Guns N´Roses, Madonna, The Police,
Scorpions, Nikka Costa, Queen, Elton John, Bryan Adams, Bonnie Tyler,
Alphaville etc.
A velha Estância sempre foi plural e por isso ao mesmo tempo
em que a discoteca pulsava na cidade, a MPB tinha espaço garantido nas vitrolas
dos barzinhos e entre os dois gêneros a velha seresta continuava viva no Bar de
Geraldo ao lado da Escola Técnica de Comércio.
O espaço era democrático e se alguém soubesse cantar podia
pegar o microfone, mas lá quem fazia sucesso mesmo era Dona Josefina Andrade,
funcionária do Cartório de Leopoldo Souza, Guina, esposo de Izabel do Banco do
Brasil, Cristina (irmã de Jorge), uma das maiores vozes de Sergipe...
Vitor (cunhado de Pimentel) e um rapaz que Zeno chamava de
cantor não podiam ver um microfone livre que iam lá disputar com as feras (sem
chance).
Não me lembro de ter visto tanta qualidade em uma seresta
como na do Bar de Geraldo. Dona Josefina interpretava Ângela Maria, era um
talento, Guina dava show de interpretação e arrancava aplausos e Cristina
esbanjando voz encarnava Alcione.
Na época o companheiro professor Zeno estudava em Fortaleza
e quando estava em férias em Estância batíamos ponto lá na seresta, e quase
sempre saíamos às seis da manhã (no lixo).
Não há texto completo, por isso depois de postado
possivelmente aparecerão observações.
O importante é que estamos tirando a poeira da memória de um
período rico culturalmente e que marcou uma geração que se posicionou à frente
do seu tempo.
#RMSDUDU – 01/07/2020
Professor Dudu
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