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COISAS DE BONS VIZINHOS

Imagem: Google

 

Um rosário de maios, vivi no tradicional bairro Santa Cruz assim que me mudei do conjunto Paulo Amaral para a Avenida Santa Cruz, para ficar mais perto do trabalho, primeiro na Sulgipe, depois na Rádio Esperança. Costumava aos sábados, no período vespertino, matraquear com os vizinhos mais chegados, oportunidade para devorar uns petiscos regados a caninha 51, Domus, Velho Barreiro, umas geladinhas; o regozijo era escorreito; foi criada uma espécie de confraria da amizade que se reunia, religiosamente, aos sábado e aos domingos.

Éramos animados ao som de Amado Batista, Adelino Nascimento; das bandas É o Tchan, Asa de Águia, Cia. do Pagode, Chiclete, Forró Maior; o encontro acontecia embaixo de frondosa árvore no coretinho da Praça Coronel Gonçalo Prado; a galera ficava horas a fio a comer, beber, papear, local bucólico, de brisa agradável, enquanto as mulheres cuidavam da salada, da farofa, dos caldinhos, da caipirinha; os homens se revezavam no preparo do churrasquinho e arrotavam gabolices, estórias de pescadores. Ali a vida não tinha pressa.

Nesse fórum de nulidades o dia se despedia e alguns já não comportavam, sequer, um copo a mais de Cerma; o álcool já fazia as pernas andarem em descompasso com o quengo; alguns retornavam para casa e o sábado encenava o adeus com a chegada da noite.

Numa manhã de domingo, eu estava sentado à porta da sede do Santa Cruz, ao lado da quadra esportiva, apreciava uma dose de Velho Barreiro com caju; de atalaia, à espera dos confrades, quando apareceu o Sr. Nelson, de 62 anos; senhor alto, magro, claro da cor, cabelos lisos, de barbas grisalhas, bigode saliente, de rosto magro, de feição afável; o peso da idade lhe deixava com aparência alquebrada. Se o assunto fosse beber, era uma raposa sonhando tomar conta do galinheiro.

“Seu Nelson, mele o bico”, disse.

“Rapaz, agora não! Vou em casa levar essa verdura que a esposa está esperando para preparar um peixe para o almoço". Isso era por volta das 10h30 da manhã. Insisti com a oferta e ele não se fez de rogado: “Só vou tomar uma! Vou em casa, deixo a encomenda e volto”.

Do meu lado, um pratinho com alguns limões, cajus e o litro de aguardente 51 [tava na moda]. Seu Nelson pegou um copo e ‘passou a régua’ e engoliu sem fazer bico. Após a dose de ensaio, acomodou-se sobre o meio-fio e danou-se a tagarelar; depois mais uma, mais outra e mais outra, desembestou. Nesse entremeio, chegaram outros amigos e a conversa engrossou o caldo e se estendeu além das quatorze horas. Seu Nelson, ali, com fumaças de ser um valente agente da guarda municipal.

“Sr. Nelson, e a verdura”, indaguei.

“Eita, porra! Esqueci”. Tentou se levantar, mas o efeito etílico já tinha estacionado nas pernas. Fez finca-pé, tentou e nada. Até que Juarez - motorista da Sulgipe - o tomou pelo braço e o colocou de pé. Ele era vigia da escolinha infantil que funcionava em uma das casas da Avenida Santa Cruz. Bateu-lhe uma dúvida: ir para casa levar a verdura ou ir para o trabalho descansar a cabeça?

Tocava a música ‘Boquinha da garrafa’, não é que Seu Nelson quis fazer a coreografia da dança. Caiu sentado a sorrir. “Seu fio de uma égua, você me embebedou! Vou para o trabalho descansar, depois levo a verdura". A escolinha ficava ali pertinho, lá se deitou sobre um banco, deixou as portas abertas e dormiu feito um recém-nascido após mamar, roncava igual a um barrão.

Juarez, que era o mais moleque da turma, a tardinha, foi de mansinho e pegou o apito preso ao cinto da calça de Seu Nelson e tome-lhe apito, tome-lhe apitaço, o velho acordou atordoado, com o cinto folgado, a calça caiu, ficou de ceroula e todos caíram na resenha diante da cena burlesca. Seu Nelson era um homem bom, que não alimentava rusga com ninguém. É falecido.

 

Em 29 de março de 2015

Autor/Genílson Máximo

 

 


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