O fluxo inexorável do tempo distanciou de mim os dias dourados que vivi no bairro Porto D'Areia, quando experimentei as melhores alegrias da minha infância. Os ventos que cruzam os velhos trapiches não apagaram as lembranças latentes. Recentemente, por alguns momentos preciosos, estive no Alto do Cristo para contemplar a paisagem majestosa composta de matas exuberantes às margens do rio Piauí e sentir a brisa suave sobre as águas serenas da maré, paisagem que proporciona uma sensação reconfortante.
Na década de 70, o bairro vivia imerso em carências sociais, habitado por famílias numerosas e uma quantidade específica de crianças que não tinham nenhuma opção de lazer ou apoio social para seus pais. Parte da comunidade tirava o sustento da labuta com a pescaria, sazonalmente, também com a fabricação de fogos de artifício (buscapé, espadas, barco de fogo).
As mulheres auxiliavam no sustento da família com a venda de peixes na feira-livre e também com a venda de moquecas assadas na palha de bananeira. Nessa década, o bairro possuía o time de futebol 'Porto Alegre Esporte Clube'. Os atletas, Zé Raimundo de Bú, Bimbinho, Arlindo, Seu Dil, Adelvan, Dê Alemão, destacavam-se. Alguns com passagem pelo Confiança. O time tinha na presidência do Sr. Nil, e como massagista, o Sr. Manuca.
O primeiro bispo da Diocese de Estância, Dom Coutinho, mantinha um serviço social proeminente. Trazia alento a muitas famílias carentes, principalmente, as do Porto D'Areia. As mães formavam filas na porta da Casa Paroquial na busca de ajuda, que incluía roupas, calçados, cobertores, farinha de trigo, óleo comestível e alimentos. Às vezes o próprio bispo aparecia e dialogava com elas; dona Núbia Nabuco Macedo, amiga do bispo, às vezes aparecia; gentil senhora, tratava a todos com carinho. Dona Núbia foi prefeita de Estância, ocupou o cargo entre 1951 e 1953, pelo PTB.
Eu e um grupo de amigos, com aproximadamente 10 anos, costumávamos ficar de atalaia defronte da Casa Paroquial, à espera do bispo. “Bênção, senhor bispo”, éramos unânimes na simpatia e respeito. O bispo, acolhedor e sorridente, pegava gentilmente em nossas mãos e respondia: “Deus te abençoe, meu filho”. Após esse momento, nossos olhos brilhavam, ele retirava do interior da sotaina algumas cédulas e nos presenteava.
As ações sociais de Dom Coutinho alcançaram profundamente as famílias pobres do bairro Porto D'Areia. Ele foi nomeado bispo da Diocese de Estância em 28 de janeiro de 1961 pelo Papa João XXIII. Permaneceu à frente da Diocese até o dia 1º de junho de 1985. Sua atuação como bispo foi marcada pelo seu espírito caridoso e suas ações externas para o bem-estar social dos menos afortunados.
Mulheres de famílias numerosas, com maridos desempregados, recorriam também à venda de moquecas de peixinhos assadas na palha de bananeira. Transportavam esses piteis em cestos e vendiam no centro e bairros da cidade. Essas iguarias eram preparadas pelas moquequeiras da época: Dona Maria de Berú, Natália e Joaninha de Seu Elias, Dona Bonita, Dona Dadá, Maria de Pepa, Dona Valdice, D. Finha de Boquita, entre outras.
No período junino, a comunidade estava profundamente envolvida com a produção de fogos de artifícios. Recordo-me dos fogueteiros mais destacados: Tonho Lixa, Totinha, Nide, Zé do Pó. Fogueteiros que também eram pescadores e abandonavam temporariamente suas redes de pesca para se dedicarem à fabricação de fogos para os festejos juninos.
Genílson Máximo
Em 01 de março de 2023
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