Ilustração: Foto do Google |
Em uma pequena cidade, residia uma mulher chamada Iracema. Corria à boca pequena que ela possuía o costume de "costurar para fora". Era esposa de um homem que trabalhava como porteiro para um influente empresário. O casal vivia, com seus três filhos, em uma casa funcional, próxima à residência do patrão.
Outra figura de destaque era Dona Belê, uma mulher multifacetada. Ela coordenava os empregados domésticos, vigias, vaqueiros, fazia as compras da casa, organizava missas e procissões. Em suma, desempenhava o papel de gerente do empresário.
Naquela época, meninos e meninas buscavam a bênção do padre na praça aos domingos, após a missa. O delegado funcionava como uma espécie de juiz de paz, severo, pegando pelas orelhas os jovens que desonravam as moças e depois tentavam escapar de suas responsabilidades. Era um período de tabus, censura, e o país ainda sofria os resquícios do regime militar.
Um jovem vizinho das duas senhoras, trabalhador, resolveu declarar-se gay. Abandonou as vestes masculinas, adotou saia, vestido, peruca, joias, óculos, batom e foi trabalhar assim. O porteiro inicialmente impediu sua entrada, mas após uma breve confusão, a gerência permitiu seu acesso. As beatas praguejavam ao vê-lo nas ruas com trajes femininos, condenando o que consideravam uma perfídia.
Dona Belê tinha uma predileção por bebidas alcoólicas, referidas por Mussum, o falecido comediante, como “mé”. Escondia aguardente Pitú em uma cabaça sob a pia e, na ausência dos patrões, melava o bico. Antes de beber, derramava um pouco no chão, dedicando "ao santo".
Ela professava uma religião com raízes africanas e declarava ser filha de Oxum. Cultuava Ogum, Iansã, entre outros orixás, em seu dormitório, sem o conhecimento do patrão. Frequentava o terreiro de Pai Bitinho, onde mantinha suas roupas ritualísticas: balandrau, torço, colares, brincos, pulseiras, saias e blusas.
Em uma noite de festa no terreiro, Dona Belê se excedeu na bebida. Sem transporte coletivo disponível, um senhor chamado Milone a levou para casa de carroça. Vestida de branco e embriagada, desceu da carroça para urinar, caminhando alguns metros à margem da estrada. Na manhã seguinte, o boato da "mulher de branco" assustava os moradores da vizinha avenida Fernandes.
Dona Belê também supervisionava o trabalho do marido de Iracema, que era porteiro na residência do empresário. Ela incitava a perfídia de Iracema, cujo quintal dava para uma vasta capineira de Capim Elefante, onde improvisaram uma passagem secreta para os amantes. Algumas vezes, Seu Vavá, marido de Iracema, a encontrou nua e transtornada, quase surpreendendo o amante.
Desesperado, Seu Vavá procurou Dona Belê pedindo ajuda para controlar as crises da esposa. "Minha esposa parece estar possuída por um espírito maligno. Chego em casa e a encontro nua, chorando e se batendo. Tenho muita pena dela", lamentou.
Aproveitando a situação, Dona Belê ajudou a encobrir as traições da amiga. Preparou uma boneca de pano, espetada com alfinetes (vudu), e a deixou no quintal de Iracema, na capineira, para convencer Seu Vavá de que sua esposa era vítima de feitiçaria. Ele encontrou a boneca e, desesperado, saiu em busca de Dona Belê.
“Bem que eu sabia! Eu sabia! Eu sabia! Fizeram feitiçaria para minha pobre esposa!”
EM
03/10/2023
Genílson
Máximo
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