Foto do Google. Ilustrativa |
Não me vem à lembrança como iniciou,
mas, vez e outra, eu, juntamente com os amigos da adolescência: Dadinho, Dudé,
Caborje, Calunga, íamos à sua banca pegar uma xepa, carnes de menor valor
comercial, pedaços de carnes duras, alguns ossos cobertos com uma raspinha de
carnes, mas que tinha muito que aproveitar, ele fazia um peso de cerca de dois
quilos e nos doava.
Nós tínhamos garantida a carne do
churrasco do final de semana. À época, todos nós estudantes, sem dinheiro,
então, aproveitávamos essa benevolência do senhor Quincas para reunir os amigos
no sábado à noite para cantar, tocar violão. Em grupo de seis, saímos pelas
ruas, praças, bairros a fazer serenatas. O petisco era levado a reboque.
O comércio das carnes, à época, era na
totalidade no mercado municipal (Talho de Carnes), grande era o vai-e-vem da
clientela. Frango, boi, porco, carneiro, fato, era ali exposto à clientela.
Isso deixava os cães, também, a passearem pelo interior do mercado e a lamberem
os beiços.
Na entrada do mercado, uma senhora com
necessidade visual, de meia-idade, pedia esmola: “Me dê uma esmolinha pelo amor
de Jesus”, verbalizava centenas de vezes, das sete da manhã às duas da tarde.
Outra senhora, mais jovem, portadora de mudez, era inconveniente à bessa a
pedir esmola, o freguês abordado, para se ver livre, tinha que atendê-la mesmo
contra a vontade. A pedinte estendia a mão e esfregava o dedo polegar no dedo
indicador, no movimento que lembra dinheiro, ficava na cola.
Naqueles anos compunham a geografia da
feira: Loja de Zé Lino, Farmácia de Eliezer, Casa da Japonesa, Armarinho São João,
GBarbosa, Farmácia de Eliezer, Café Gatão, Joca do Gás, Jadiel da Gaiola, Zé do
Carmo Fotógrafo, Armarinho de Pedro Crente, Loja de Relógios de Valdomiro,
Otímio Barbeiro, Milton Abdala, Armazém Antônio de Lurdes,
Armazém João de Batista, Armazém de Seu Pedro Avícula, Padaria de
Antônio Barreto, Supermercado Valentim, Sorveteria de Seu Vavá, Soverteria
Estrela; havia uma cobertura de zinco onde funciona hoje o Beco da Fumaça,
local de venda de cereais. Alguns desses espaços deram lugar a imóveis
modernos.
Após pegarmos a carne de Seu Quincas,
íamos à Rua do ABC ximar as cortesãs que se reuniam num inferninho: mulheres
maduras, cadeirudas, de seios avantajados, de saliência abdominal, de batom
vermelho amaranto, de vestido tubinho; cheirando a uma mistura de perfume
barato e cigarro, cerveja e suor, erotismo em demasia. Ambiente mais gostoso
que beijo de prima.
Em nossa idade, era o prato feito para
quebrar a donzelice, mas, sem o faz-me rir ($), o jeito era sair em jejum.
Certa feita, a conversa estava indo na direção certa, interrompida com a
chegada de um policial de alcunha Lavanca, que botou urtiga na conversa. O
homem era mais sério que um porco mijando, mais grosso que parafuso de patrola.
Colocou-nos para fora!
Voltando ao nosso benfeitor, Seu
Quincas, certo dia, quando fomos pegar a xepinha, numa manhã de sábado, ele já
nos esperava com a carne separada, dois quilos, amarrada numa pindoba. A
senhora pedinte, portadora de mudez, se aproximou e danou-se a pedir dinheiro
pertinazmente. Dizíamos que não tínhamos, ela insistia, puxava-nos pelo braço,
pela roupa, queria dinheiro.
Nesse entremeio, com o peso de carne
pendurado na mão, um susto: um cão abocanhou a carne e saiu em disparada feira
adentro. Dudé e Dadinho embilocaram atrás, o cão danou-se a correr, entrou no
Beco da Galinha Morta (na direção do GBarbosa com o Caminho do Rio). Naquele
dia não teve churrasco. O cãozinho se deu bem.
Seu Quincas, um homem simples,
generoso, batalhador, de bom coração. Um amigo especial, fazia questão de
contribuir com o nosso quarteto que se reunia para cantar e fazer serestas aos
finais de semanas.
A vida seguiu o seu curso natural, cada
um dos amigos aqui relatados fez seu próprio caminho. Não soube mais de
notícias de seu Quincas, exceto que o peso da sua idade lhe tirou da labuta.
Sua banca foi ocupada por outro marchante. Seu Quincas foi um homem de
bem, sem dúvida, tem um sono tranquilo e a convicção de que os seus anos de
trabalho contribuíram com o desenvolvimento da coletividade.
Em 09 de
maio de 2023
Genílson
Máximo
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