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A figura imaginária do Papa-Figo continua viva

imagem ilustrativa: tinha essa imagem o carro do PaPa-Figo


O temido Papa-Figo assombrava a infância nas cidades do Nordeste durante as décadas de 60 e 70. As crianças da época sentiam um profundo temor apenas ao ouvir seu nome. A crença popular associava o Papa-Figo a uma figura sinistra que se alimentava do fígado de crianças, alimentando assim o medo que permeava a imaginação infantil.

Em um estudo realizado pela Universidade Estadual da Paraíba, especulou-se que, no imaginário coletivo, o Papa-Figo poderia ter sido uma figura afetada por doenças como hanseníase (popularmente conhecida como lepra) ou doença de Chagas, que causa inflamação no fígado. Essas possíveis enfermidades contribuíram para a construção desse personagem sombrio.

Os pais, preocupados com o bem-estar de seus filhos, orientavam que eles não aceitassem presentes de estranhos, pois acreditavam que indivíduos desconhecidos que ofereciam brinquedos e doces eram enviados pelo Papa-Figo. O simples avistamento de um carro preto e misterioso, com vidros escuros, muitas vezes interpretado como o veículo do Papa-Figo, gerava pânico, especialmente no bairro Porto D'Areia. Muitos pais chegaram ao extremo de trancar suas portas como medida de segurança.

No bairro Porto D'Areia, os pais costumavam enviar seus filhos para comprar pão na bodega de Joãozito, bananas na casa de Seu Dudu e doces na casa de dona Rosinha. Quando o carro preto e estranho aparecia, os pais recolhiam rapidamente seus filhos e não os deixavam mais na rua. O mesmo cuidado era estendido às crianças que costumavam brincar ou tomar banho na fonte do Beque, propriedade de dona Chica, na Rua da Tamanca.

Segundo os rumores da época, a figura do Papa-Figo era associada a um conhecido empresário da cidade, que desenvolveu uma doença que carecia de fígados de crianças para conter seu mal. Havia também boatos sobre a anormalidade de suas orelhas. Após retirar o fígado da criança, uma quantia em dinheiro era deixada para cobrir as despesas do funeral e auxiliar a família, tornando a lenda ainda mais perturbadora.

Naqueles tempos, os garotos viviam em constante alerta, sempre suspeitando de qualquer coisa que pudesse estar ligada à figura do misterioso Papa-Figo. Em uma tarde, eu e três amigos, todos com cerca de sete anos, estávamos voltando de um mergulho na maré, perto do prédio do trapiche. Enquanto caminhávamos pela ladeira da Arrupiada, um carro preto e misterioso desceu em nossa direção. Num instante, começamos a correr freneticamente, conseguindo, de alguma forma, passar por uma cerca de cinco fios de arame farpado. Finalmente, adentramos na propriedade do senhor Tonho do Lagarto, com nossos corações batendo forte e nossos olhos arregalados de medo.

 

Na minha infância, tive a oportunidade de conhecer um senhor conhecido como 'Galinha de Anzol'. Ele tinha o hábito de exagerar no consumo de bebidas alcoólicas e frequentemente era visto cambaleando enquanto se dirigia para sua casa na Rua da Tamanca. Às vezes, ele costumava verbalizar palavras desafiadoras, como “Venha, Papa-Figo, filho de uma égua, venha me pegar!” Enquanto verbalizava, retirava a faca que sempre carregava consigo e riscava o chão em círculo.

Luluca, um menino de dez anos, filho da senhora Zefinha de Boquita, era peralta e tinha uma voz fanha. Ele costumava se esconder atrás da porta, olhando pela greta, gritava: “Galinha de anzol!” O senhor, ao ouvir isso, perdia completamente a compostura. “Galinha de anzol é quem lhe pariu, seu papa-figo de bosta”.

 


Em 05 de setembro de 2023

Genílson Máximo

 

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