Estância das saudades: fragmentos de uma infância feliz


Voltando no tempo, pesco lembranças dos anos da década de 70, quando vivi no bairro Porto d’Areia, onde desfrutei dos melhores anos da minha infância, lembranças que guardo com carinho no caçuá que transportei por todos esses anos.

Nos anos 70, costumava-se ouvir o apito da fábrica têxtil Santa Cruz que anunciava a troca de turno de seus operários através do ronco de sua chaminé que ecoava às seis horas da manhã, às onze horas e, também, às dezesseis horas. Igualmente, a fábrica Senhor do Bonfim, também de tecidos, se comportava.

Viam-se operários às pencas a se movimentarem pelas ruas com suas fardas orgulhando os trabalhadores proletários. Aquele tempo deixou profundas lembranças no seio da família estanciana. Atualmente a fábrica Santa Cruz mantém sua antiga chaminé intacta, revelando sua imponência, registro de um tempo que ficou na curva da história.

Meninos, costumávamos ir ao cinema. À época existiam o Cine Guarany (do saudoso Teixeira), o Cine Gonçalo Prado (do saudoso Jorge Leite) e o Cine São João (do saudoso Nivaldo Silva). Éramos cinéfilos, não perdíamos as películas de Mazzaropi; filmes como ‘Chica da Silva’, ‘Lúcio Flávio’, ‘Dona Flor’, de karatê, de cowboy, acendiam nossa imaginação defronte da telona.

Atualmente essas casas de espetáculos fecharam as portas, deixando muitas saudades. Outros registros mentais resgatam as memórias das matinês e soirées quando dos shows de calouros por ocasião das comemorações de aniversários da Rádio Esperança.

No dia primeiro de maio, Dia do Trabalhador, o Centro Educativo Gonçalo Prado era lotado pelos espectadores que se alegravam ao som do conjunto musical Os Cometas (do saudoso Gumercindo). Era casa lotada para cantar os ‘Parabéns a Você’ a emissora pioneira do interior do estado. Evento que não acontece mais.

Recordo-me das tardes alegres para os amantes do futebol, as memoráveis partidas realizadas no campo do Cruzeiro, anexo ao Hospital Amparo de Maria, palco de grandes disputas do futebol amador e profissional, onde atuou brilhantemente o time do Estanciano.

Mais uma gostosa lembrança: as noites de natal na Praça Barão do Rio Branco defronte da catedral, cenário que atraía famílias, jovens enamorados, barracas de alimentação, de jogos, de tiro ao alvo, brinquedos, roda-gigante, carrosséis, tendo como pano de fundo o som de Sivaldo Publicidade.

Instalado no interior do coreto da citada praça, Sivaldo anunciava recadinhos de amor nos alto-falantes externos, seguidos de pedidos musicais. Aquelas noites natalinas eram um encanto para a gurizada da época.

Sobre o São João, eita que saudade do tempo em que auxiliávamos no fabrico de fogos! Como já citei, meus dias de infância foram cristalizados no bairro Porto d’Areia, bairro que originou a cidade de Estância, onde habitam os mais renomados fogueteiros, alguns de saudosa memória, tais como Nide, Tonho Lixa, Zé do Pó, Nininho, Zé de Ral, Dedé Sombrinha,  Totinha (vivo). Havia uma casa defronte do Cristo onde funcionava o fabrico de buscapés, espadas, barco de fogo, entre outros. Recordo-me das corridas de barco de fogo nas águas do Rio Piauí. Era um frisson da meninada à época.

No mês junino era organizada a Batuca Beira-Mar, uma espécie de escola de samba, composta de integrantes masculinos e femininos vestidos uniformemente,  transportava tambores, cuícas, instrumento denominado de ‘porca’; as mocinhas vestidas de tecido chita com estampas coloridas grandes e florais, com tamanco de madeira nos pés, traziam irreverência à cultura junina.

Enfileirados, fogueteiros e dançarinas subiam a ladeira do Porto numa formação apoteótica na direção do centro da cidade e, entre a cooperativa e a Praça da Catedral, o ‘fogo comia no centro’, ao som dos tambores e repentes entoados por emboladores sem auxílio de aparelhos sonoros. Era a chamada “guerra de buscapés” que se cristalizava quando se encontravam os fogueteiros dos bairros Santa Cruz, Botequim e Porto d’Areia.

Não existia o forródromo, o São João acontecia com festinhas e arraiás nas portas de casas, onde as famílias reuniam os amigos e convidados para compartilhar da ocasião regada a comidas e bebidas típicas da estação, ao som de forrozeiros como Genival Lacerda, Clemilda, Os 3 do Nordeste, Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, entre outros. Ao lado da catedral era erguido um mastro que comportava cédulas cobiçadas pelos brincantes e fogueteiros.

Lembranças, podemos afirmar, são fragmentos do passado que permanecem em nossa mente, evocando emoções e até sentimentos associados a momentos vividos. Da década de 70 para os dias atuais, já se foram mais de 50 anos, a cultura do nosso povo mudou, a cidade mudou sua planta, a mudança é doída, embora, precisa! Cada geração constrói sua história!

 

Por: Genílson Máximo

Em 01 de maio de 2024.

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