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Porto D’Areia: ganha-pão de mulher preta

Foto ilustrativa: Pinterest

No tecido urbano do pitoresco enclave do bairro Porto D’Areia, aninhado em Estância, repousa uma narrativa gloriosa, um testemunho crítico na tessitura da identidade desta urbe. Este é um espaço onde vestígios arquitetônicos reverberam um período áureo de primazia na indústria e no comércio, quando as águas do rio Piauí eram o fluído vital da economia local. Entre as ruínas dos antigos trapiches, ergue-se majestosa a chaminé da extinta Fábrica de Óleos Vegetais "Luso Brasileira". E é neste cenário que ecoam ainda hoje as vozes ecoantes das mulheres negras, cujo labor incansável forjou a própria alma de Porto D’Areia.

Recordo-me dos dias dourados de minha infância, quando residia na Rua José Pires, popularmente conhecida como Rua da Tamanca, testemunhando a imprescindível contribuição das mulheres negras e pardas, muitas delas privadas do acesso à educação formal. Eram elas os esteios de suas famílias, laborando sem descanso para prover o sustento de seus entes queridos.

Após a abolição da escravatura no Brasil, as mulheres negras se depararam com desafios inumeráveis em uma sociedade impregnada pelo racismo estrutural e pela persistente desigualdade. Contudo, sua resiliência e inventividade permaneceram inabaláveis, encontrando variadas formas de sustentar seus núcleos familiares.

Entre os meios de subsistência adotados por essas mulheres no Porto D’Areia, destacam-se os trabalhos domésticos nas moradas de famílias brancas, onde desempenhavam uma multiplicidade de funções, desde a limpeza até a culinária e os cuidados com os mais jovens e idosos.

Apesar da remuneração muitas vezes insuficiente e das condições precárias, esse labor tornou-se uma fonte crucial de renda para muitas delas. Guardo com reverência na memória os nomes de mulheres empreendedoras, verdadeiras proprietárias de seus empreendimentos: Dona Finha de Pulú, mãe de Nenê da Batucada; Natália e Joaninha de Seu Elias; Finha de Boquita; Dona Bizuí, esposa de Felomeno; Dona Dadá, mãe de Zé Antônio da Batucada; e Dona Maria Lúcia, mãe de Berú.

Essas mulheres produziam iguarias culinárias, como moquecas assadas na palha de bananeira, uma especialidade muito demandada na época; Dona Agripina fabricava beijus de tapioca no coco; Dona Valdice era costureira; Dona Luzia, esposa do Sr. Dezinho, também era costureira. Outra fonte de renda era a confecção de bolsas de papel a partir de sacos vazios de amido, adquiridos na Fábrica Amido Glucose, destinadas ao comércio de armazéns e feirantes.

 Gerenciando seus próprios empreendimentos, desde pequenas vendas de alimentos até serviços de costura e lavanderia, essas mulheres demonstraram uma determinação inabalável em enfrentar os desafios da vida. Elas não eram apenas esposas e mães, mas também líderes e guerreiras, moldando ativamente o destino de suas famílias e comunidades.

Elas adquiriam mariscos no cais da maré, trazidos pela Canoa Grande, de propriedade da senhora Maria de Maura. Além das moquecas, também comercializavam peixes, camarões e peixinhos secos na feira-livre da cidade. Essas são apenas algumas das estratégias criativas que as mulheres negras de Porto D’Areia empregaram para prosperar em meio às adversidades.

Muitas dessas mulheres auxiliavam seus esposos na fabricação de pólvora e fogos de artifício visando os festejos juninos. Nesse período, seus maridos dividiam o tempo entre a pesca e a produção de fogos. Durante os festejos juninos, era notável o lucro obtido com a venda de fogos como buscapés, espadas, barcos de fogo, entre outros. Após um dia extenuante de trabalho, essas mulheres ainda encontravam ânimo para participar de apresentações em grupos de samba de coco, batucadas e quadrilhas juninas.

Passadas mais de cinco décadas, elas continuam a lutar por dignidade, igualdade e oportunidades para si mesmas e para suas comunidades, legando um exemplo de força e resiliência às gerações vindouras.

 

Em 10 de maio de 2024.

Por: Genílson Máximo

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