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O gorgolejo do peru do prefeito alegrou a tarde

Numa pacata cidadezinha do interior, o prefeito era um homem de múltiplas paixões: a medicina e a arte de receber bem. Admirado e respeitado por todos no município, ele não só cuidava da saúde da população, mas também era conhecido por sua hospitalidade calorosa. Em feriados e fins de semana, sua casa tornava-se um ponto de encontro para o secretariado municipal e amigos, onde política se entrelaçava com amizades, regadas a conversas envolventes e uma gastronomia impecável.

Essas reuniões eram eventos aguardados ansiosamente. O som inconfundível das latinhas de cerveja sendo abertas, com o típico “pssst” que acompanha a liberação do gás, trazia consigo a promessa de refrescância, enquanto o aroma inebriante do feijão-tropeiro dominava o ambiente. Petiscos variados cobriam a mesa, despertando apetites e suscitando um clima de celebração que se espalhava na área gourmet no quintal.

O prefeito era um anfitrião nato, que recebia cada convidado com uma alegria genuína. Sua casa, sempre aberta, era um refúgio onde as tensões do cotidiano eram dissipadas em meio a boa comida, música e uma hospitalidade que aquecia a alma.

Ao lado, um cajueiro carregado de frutos vermelhinhos saciava a gula dos afeiçoados por um aperitivo. A fruta, servida como tira-gosto, era motivo de disputa!

Em uma dessas ocasiões, a mesa estava repleta de iguarias: carne de porco assada, frango frito, cozido, e, claro, o famoso feijão-tropeiro, já conhecido e apreciado por todos. Mas, naquele dia, algo inusitado estava prestes a transformar a reunião em uma história que seria lembrada por muito tempo, marcada por uma cena que beirava o cômico.

À porta da casa do prefeito, surgiu um vereador trazendo um presente bastante peculiar: um peru. Não era um peru comum — parecia saído de um desenho animado, com penas eriçadas e uma postura que denotava tudo, menos tranquilidade. “Trouxe para o senhor levar para o sítio, é de raça, reprodutor”, disse o vereador.

O animal, aparentemente desconcertado com o ambiente festivo, e possivelmente irritado pelo som do grupo de samba e pagode que tocava ao lado, começou a se agitar. Com as asas abertas e uma postura imponente, o peru parecia pronto para a batalha. As conversas cessaram momentaneamente, e todos os olhares se voltaram para o novo “convidado”. Foi então que algo inesperado aconteceu: como se tivesse sido provocado, o peru fixou seu olhar no secretário de Esportes e, sem qualquer aviso, disparou em sua direção.

O secretário, João Moqueca, homem atlético e habituado a desafios físicos, não esperava ser perseguido por um peru naquela tarde. Tentou se desviar, mas o peru parecia determinado a alcançá-lo. Com as penas arrepiadas e emitindo um gorgolejo que mais parecia um grito de guerra, o peru correu atrás de Moqueca, para a diversão geral dos presentes, que riam até as lágrimas.

Mas o espetáculo não terminou aí. O peru, ainda tomado pela agitação, fixou-se em dois gansos que passeavam calmamente pelo quintal, observando a piscina de águas cristalinas. Josafá, motorista do prefeito, já havia impedido os gansos de se banharem na piscina várias vezes, mas, naquele momento de distração, o peru viu sua oportunidade. Num movimento rápido, correu atrás dos gansos, que, assustados, não tiveram outra escolha senão mergulhar na piscina em busca de refúgio. Os gansos, aproveitando o inesperado ataque, nadaram rapidamente, enquanto o peru, frustrado, permanecia na borda da piscina, sem conseguir alcançar seus alvos.

Ao lado de todo prefeito, há sempre um dedicado “Dirceu Borboleta”, apressadamente, cuidou de prender o peru no galinheiro. Entretanto, o secretário de Obras, Jacinto Pinto, com o apetite dos aborígenes, sugeriu que o peru fosse integrado à ceia. Uma das convidadas, dona Cacilda, admiradora das tradições africanas, salientou que aquele peru parecia ser "batizado".

Dorotéia, que não fazia parte das irmãs Cajazeiras, levantou-se da cadeira toda espevitada, ajeitou a saia e os óculos, e ofereceu-se gentilmente para cuidar do peru. Ela sugeriu levá-lo para o seu sítio, demonstrando sua disposição em ajudar.

E assim, o peru terminou seu dia confinado, ainda exibindo seu característico “glu-glu”. Aquele almoço, que começou como tantos outros, transformou-se numa crônica repleta de vida, onde o cotidiano encontrou o inesperado, e o peru tornou-se a estrela de um dia que seria lembrado por todos.

 

 

Por: Genílson Máximo

Em 22 de agosto de 2024.

 

 

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