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A Mula sem Cabeça também assustou gente em Estância



A região Nordeste do Brasil, a terceira maior em extensão, atrás apenas das regiões Norte e Centro-Oeste, é composta por nove estados e oferece uma contribuição expressiva à cultura nacional. Sua diversidade cultural, folclórica e religiosa reflete a riqueza de seu povo, cuja formação resulta de uma profunda miscigenação.

O imaginário nordestino é único, forjado a partir da síntese cultural entre indígenas, africanos e europeus, sobretudo portugueses. Essa fusão moldou a identidade cultural do Nordeste, que se manifesta até hoje em suas expressões artísticas, como música, dança, culinária, religião e, particularmente, em seu folclore vibrante.

Chegando ao tema central deste texto, o folclore, é curioso notar como, embora algumas lendas não estejam tão presentes nas conversas cotidianas como em décadas passadas, ainda ocupam um lugar especial na memória coletiva, especialmente entre os mais velhos. A lenda da Mula sem Cabeça ou Mula-de-Padre é um dos mitos mais difundidos do folclore brasileiro, com suas raízes fincadas no período colonial. Essa narrativa está entrelaçada com elementos da tradição oral e do catolicismo, transmitidos por indígenas, africanos e portugueses.

A história relata que a Mula sem Cabeça é, na verdade, uma mulher amaldiçoada por se envolver romanticamente com um padre, uma transgressão moral gravíssima, dado o rigor do celibato clerical na época. Como punição, essa mulher se transforma em uma mula que vaga durante a noite, exalando fogo pelas ventas ou pescoço, já que não possui uma cabeça visível.

 Aqui em Estância

Em Estância, assim como a famosa lenda do Papa-figo, a Mula sem Cabeça também se fez presente no imaginário popular. Acredita-se que sua aparição assombrava os moradores da antiga *Travessa do Mirante*, especialmente naquela área entre o 4 Rodas e a atual Secretaria de Urbanismo, onde funcionava a distribuidora Suleste, de propriedade de Martinho Barreto e Hermolao.

Nessa região, onde havia terrenos pertencentes ao Sr. Chico de Jacinto e à Diocese, a lenda ganhava vida. O trecho, ainda sem pavimentação asfáltica na época, era palco para os encontros noturnos dos moradores, que se reuniam após o jantar para conversar até a madrugada. Nomes como Dona Paquinha, Iramy, Zé Tatu, João de Dioclécio e Seu Duda estavam sempre presentes. Sob a sombra de dois frondosos pés de jenipapo, onde hoje se ergue o prédio da Secretaria de Urbanismo, os vizinhos se acomodavam em banquinhos improvisados.

Conta-se que, em algumas noites, a aparição da mula sem cabeça aterrorizava a todos. O animal selvagem era visto correndo pelo caminho, relinchando, bufando e dando pinotes. Suas patas, que pareciam de ferro, ecoavam com força pelo chão. O Sr. João Papá, homem parrudo e de muita coragem, chegou a prometer que amarraria a mula; no entanto, ao avistá-la de perto e confirmar que realmente não possuía cabeça, desistiu da façanha e, num ímpeto de medo, se jogou no mato do terreno de Chico de Jacinto.

Naquela noite, os vizinhos da Travessa do Mirante, normalmente corajosos, preferiram não investigar mais a fundo se a mula tinha ou não cabeça, deixando o mistério sem solução.

Segundo a tradição, após uma noite de sustos, a mula-de-padre voltaria a sua forma humana ao amanhecer, retomando sua identidade como mulher. Essa lenda, além de provocar medo, também carregava um forte aviso moral: ela representava a punição divina para aqueles que transgrediam o sacro, envolvendo-se em relações ilícitas com figuras religiosas.

Assim, a Mula sem Cabeça, mais do que uma figura assombrosa, é um símbolo da rica tradição oral nordestina, que transcende o medo para se tornar um marco de identidade cultural.
 


Por: Genílson Máximo
Em 15 de setembro de 2024.
 
 

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