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Mário Andreazza, Ministro do Interior, visitou a cidade de Lagarto e no dia o “pau cantou”

 

Por Genílson Máximo


O tempo tem o poder de apagar detalhes, como o dia e o mês exatos de certos acontecimentos. Mas algumas memórias resistem bravamente à passagem dos anos. Foi em outubro de 1984, e disso eu tenho certeza, que presenciei um episódio marcante na política sergipana. O governo militar de João Figueiredo se aproximava do fim, em meio às movimentações pelas Diretas Já, e eu acompanhava o prefeito de Estância, Dr. Carlos Magno, em uma visita ao município vizinho de Lagarto.

Era um tempo de intensas disputas políticas. Carlos Magno, médico-cirurgião eleito pelo PDS, governava Estância desde 1983, após vencer uma eleição acirrada contra o empresário Nivaldo Silva (também do PDS) e o advogado Dr. João Batista (MDB). O governador João Alves Filho, em seu primeiro mandato, mantinha forte aliança com Nivaldo Silva, o que resultava em uma oposição ferrenha ao prefeito Carlos Magno.

O motivo da nossa ida a Lagarto era especial. O então Ministro do Interior, Mário Andreazza, estaria em visita oficial à cidade. Andreazza era uma figura respeitada, com um histórico de peso nos governos militares. Natural do Rio Grande do Sul, ele fora responsável por obras como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica, e mais tarde liderou programas habitacionais que transformaram o cenário urbano de várias regiões do país.

O anfitrião do evento era o prefeito de Lagarto, Artur Reis. Figura carismática, Artur era o líder do grupo "Saramandaia", que travava uma antiga e conhecida rivalidade com o grupo "Bole-bole", liderado pela influente Família Ribeiro. Ele foi uma das peças-chave da política lagartense nos anos 80, e seu prestígio o aproximava de figuras importantes do cenário nacional.

Lá estávamos nós, acompanhando tudo de perto. Eu integrava a equipe de comunicação da Prefeitura de Estância, que editava o "Nosso Jornal", órgão oficial de divulgação das ações municipais. Aquela manhã estava especialmente quente. O sol rachava o chão de barro vermelho onde o helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) pousaria. Era uma cena de cinema: uma área improvisada, lotada de gente, e um ruído crescente no céu anunciando a chegada da aeronave.

Quando o helicóptero finalmente começou a descer, as enormes hélices levantaram uma tempestade de poeira e areia solta. Em segundos, chapéus, sombrinhas, guarda-sóis e até cachorros foram lançados pelos ares. O povo corria em todas as direções, tropeçando, rindo, xingando, tentando resgatar seus pertences. Foi uma confusão generalizada, mas também uma daquelas cenas típicas de interior que ficam guardadas na memória com carinho.

Logo após o pouso, fomos levados para uma recepção preparada para os prefeitos e autoridades, a poucos metros dali. Ao nos aproximarmos da entrada, um susto: uma lata de cerveja foi arremessada e quase acertou o prefeito Carlos Magno, batendo com força na porta. Do lado de dentro, o clima era tenso. Gritos, empurrões, cadeiras arrastadas. O ambiente estava tomado por uma briga.

Aquela confusão, ao que tudo indicava, não era apenas um desentendimento passageiro. Carregava consigo a energia de anos de rivalidade entre os grupos "Saramandaia" e "Bole-bole". A visita do ministro, que deveria ser um momento de celebração e diálogo entre prefeitos e lideranças, aliados dos citados grupos, transformaram o encontro num palco de bate-boca e desavenças políticas


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"Vamos embora, pois o ambiente aqui não tá pra nós. Eu não fico onde há brigas", disse com firmeza o Dr. Carlos. Não houve tempo para apresentação de projetos nem para cumprimentos protocolares. Ele havia levado, em mãos, o projeto de uma Via Perimetral que ligaria o Porto D'Areia à Avenida Tenente Eloy, passando pela Rua Elísio Matos, SESP e SENAI. Um plano de grande relevância para a mobilidade urbana de Estância, que infelizmente não chegou ao conhecimento do ministro naquele dia.

Optamos por seguir para um restaurante e almoçar em uma churrascaria local. Apesar do episódio tenso, a rotina precisava seguir. Na volta para Estância, visitamos as obras de pavimentação do antigo Caminho do Porto (atual Rua Elísio Matos), um dos projetos que simbolizavam o empenho da gestão municipal em melhorar a infraestrutura da cidade.

Encerramos o dia no bairro Bonfim. Lá, o prefeito Carlos Magno fez questão de chamar duas lideranças comunitárias importantes: Seu Almiro e Seu Araújo. Juntos, fomos ao bairro Alecrim, conhecer o terreno onde futuramente seria erguida a sede do Tiro de Guerra TG 06-013.

Aquele dia ficou gravado não apenas pelas cenas inusitadas do pouso ou pela confusão entre os grupos rivais. Foi também um retrato do fervor político da época, das disputas acirradas pelo poder e da luta dos gestores locais por visibilidade e investimentos. Mais do que um caos, foi um capítulo vivo da nossa história, testemunhado por mim, de perto, com olhos atentos e memória indelével.

 

Em 02 de julho de 2023.