Por
Genílson Máximo
Era um
tempo de intensas disputas políticas. Carlos Magno, médico-cirurgião eleito
pelo PDS, governava Estância desde 1983, após vencer uma eleição acirrada
contra o empresário Nivaldo Silva (também do PDS) e o advogado Dr. João Batista
(MDB). O governador João Alves Filho, em seu primeiro mandato, mantinha forte
aliança com Nivaldo Silva, o que resultava em uma oposição ferrenha ao prefeito
Carlos Magno.
O motivo
da nossa ida a Lagarto era especial. O então Ministro do Interior, Mário
Andreazza, estaria em visita oficial à cidade. Andreazza era uma figura
respeitada, com um histórico de peso nos governos militares. Natural do Rio
Grande do Sul, ele fora responsável por obras como a Ponte Rio-Niterói e a
Transamazônica, e mais tarde liderou programas habitacionais que transformaram
o cenário urbano de várias regiões do país.
O
anfitrião do evento era o prefeito de Lagarto, Artur Reis. Figura carismática,
Artur era o líder do grupo "Saramandaia", que travava uma antiga e
conhecida rivalidade com o grupo "Bole-bole", liderado pela influente
Família Ribeiro. Ele foi uma das peças-chave da política lagartense nos anos
80, e seu prestígio o aproximava de figuras importantes do cenário nacional.
Lá
estávamos nós, acompanhando tudo de perto. Eu integrava a equipe de comunicação
da Prefeitura de Estância, que editava o "Nosso Jornal", órgão
oficial de divulgação das ações municipais. Aquela manhã estava especialmente
quente. O sol rachava o chão de barro vermelho onde o helicóptero da Força
Aérea Brasileira (FAB) pousaria. Era uma cena de cinema: uma área improvisada,
lotada de gente, e um ruído crescente no céu anunciando a chegada da aeronave.
Quando o
helicóptero finalmente começou a descer, as enormes hélices levantaram uma
tempestade de poeira e areia solta. Em segundos, chapéus, sombrinhas,
guarda-sóis e até cachorros foram lançados pelos ares. O povo corria em todas
as direções, tropeçando, rindo, xingando, tentando resgatar seus pertences. Foi
uma confusão generalizada, mas também uma daquelas cenas típicas de interior
que ficam guardadas na memória com carinho.
Logo após
o pouso, fomos levados para uma recepção preparada para os prefeitos e
autoridades, a poucos metros dali. Ao nos aproximarmos da entrada, um susto:
uma lata de cerveja foi arremessada e quase acertou o prefeito Carlos Magno,
batendo com força na porta. Do lado de dentro, o clima era tenso. Gritos,
empurrões, cadeiras arrastadas. O ambiente estava tomado por uma briga.
Aquela confusão, ao que tudo indicava, não era apenas um desentendimento passageiro. Carregava consigo a energia de anos de rivalidade entre os grupos "Saramandaia" e "Bole-bole". A visita do ministro, que deveria ser um momento de celebração e diálogo entre prefeitos e lideranças, aliados dos citados grupos, transformaram o encontro num palco de bate-boca e desavenças políticas
.
"Vamos
embora, pois o ambiente aqui não tá pra nós. Eu não fico onde há brigas",
disse com firmeza o Dr. Carlos. Não houve tempo para apresentação de projetos
nem para cumprimentos protocolares. Ele havia levado, em mãos, o projeto de uma
Via Perimetral que ligaria o Porto D'Areia à Avenida Tenente Eloy, passando
pela Rua Elísio Matos, SESP e SENAI. Um plano de grande relevância para a
mobilidade urbana de Estância, que infelizmente não chegou ao conhecimento do
ministro naquele dia.
Optamos
por seguir para um restaurante e almoçar em uma churrascaria local. Apesar do
episódio tenso, a rotina precisava seguir. Na volta para Estância, visitamos as
obras de pavimentação do antigo Caminho do Porto (atual Rua Elísio Matos), um
dos projetos que simbolizavam o empenho da gestão municipal em melhorar a
infraestrutura da cidade.
Encerramos
o dia no bairro Bonfim. Lá, o prefeito Carlos Magno fez questão de chamar duas
lideranças comunitárias importantes: Seu Almiro e Seu Araújo. Juntos, fomos ao
bairro Alecrim, conhecer o terreno onde futuramente seria erguida a sede do
Tiro de Guerra TG 06-013.
Aquele
dia ficou gravado não apenas pelas cenas inusitadas do pouso ou pela confusão
entre os grupos rivais. Foi também um retrato do fervor político da época, das
disputas acirradas pelo poder e da luta dos gestores locais por visibilidade e
investimentos. Mais do que um caos, foi um capítulo vivo da nossa história,
testemunhado por mim, de perto, com olhos atentos e memória indelével.
Em 02 de
julho de 2023.