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De Paconga a Toloco: personagens que fizeram história com humor


Ah, Estância! Nas décadas de 70, 80 e 90, essa nossa querida cidade era palco de personagens peculiares, indivíduos que, embora aparentassem ter alguma deficiência intelectual, conquistavam um lugar cativo no coração de todos. Eles faziam parte do cotidiano das ruas, sempre deixando suas marcas por onde passavam. Hoje, graças a avanços nas políticas públicas, é raro vermos figuras assim perambulando pelas vias, mas a memória desses tempos é tão viva quanto as piadas que nos faziam rir. Se hoje há respeito e inclusão, naquela época o humor ácido e irreverente era o jeito de lidar com essas figuras icônicas.

Lembro-me de 'Carcará', uma senhora de seus quarenta anos, conhecida tanto por seus cabelos desgrenhados quanto pelo vocabulário afiado. Ela se sentava na calçada do SESP, olhando o infinito com a testa franzida, como quem estivesse prestes a resolver os mistérios do universo. Só que o universo parecia não colaborar muito, porque, a cada passada de alguém, ela soltava: “Tá olhando o quê, cara da peste?” Um dia, um garoto atrevido gritou: “Carcará, cadê o ovo?” E a resposta veio rápida e feroz: “Tá debaixo da saia da tua mãe, seu arrombado! Filho de corno!” Não teve quem segurasse o riso. Dizia-se que esse humor ácido era resultado de um parto difícil, um tal de resguardo interrompido – mas, sinceramente, acho que era só a vida mostrando seu lado mais sarcástico.

Já 'Paconga' era uma mulher que desfilava pela Rua do Caminho do Rio com um vestido de noiva que, de tão sujo e amassado, parecia ter passado por umas bodas com o capeta. Sempre com um pedaço de pente metido nos cabelos desgrenhados, ela era alvo de provocações inevitáveis. “Paconga, cadê a monga?” – gritavam os moleques. E ela, sem perder a compostura, respondia com classe: “A monga é a puta que te pariu, filho de uma égua!” E lá ia ela, de porrete em punho, correndo atrás dos meninos, que se dispersavam como formiga em fuga. Contavam que Paconga havia sido abandonada no altar, o que talvez explicasse sua fúria conjugal reprimida.

Ah, e quem não se lembra de 'Toloco de Elefante'? A lenda viva da Rua da Rosa, do ABC, da Usina! Além de sua deficiência mental, enfrentava problemas de visão, mas era outro atributo seu que sempre chamava a atenção. Numa bela manhã, as 11h30, lá estava ele, sentado na porta da Escola do Comércio, totalmente alheio à geografia do próprio corpo... e com uma “estrutura” impressionante à mostra. As moças escandalizadas desviavam o olhar, enquanto os rapazes não conseguiam segurar a risada. Algumas senhoras ainda exclamavam: “Doido safado!” Mas, sinceramente, era difícil saber se a indignação vinha da loucura ou da inveja.

Também não podemos esquecer do 'Roda Roda'. Alto, moreno, e dono de uma voz rouca, sua maior diversão era girar em círculos cantando: “Roda, roda, roda, roda”. Parecia uma versão humana de um ventilador desregulado. Mas ele não era agressivo, pelo contrário, era até bom de prosa. Andava sempre com folhas de Espada de São Jorge e um patuá que, segundo ele, fora presente da Mãe Menininha da Bahia. “É pra espantar os inimigos”, dizia ele, enquanto girava mais um 360 graus com perfeição.

Por fim, tinha o Olímpio, o “agente de trânsito” mais famoso da BR-101. Vestido de uniforme completo, com direito a boina e apito, ele interrompia o tráfego com a autoridade de quem acha que controla a vida. O problema é que ele não controlava nem a própria sanidade, e a Polícia Rodoviária Federal era chamada com frequência para desfazer o congestionamento.

E, claro, não poderia faltar o casal lendário: Xebau e Xeboa. Sempre avistados entre a prefeitura e a Praça Orlando Gomes, eram conhecidos por suas “boas” histórias e, claro, pela caninha sempre à mão. Apesar de não apresentarem deficiência intelectual aparente, a falta de um lar fixo e de juízo certo os fazia figuras inconfundíveis, especialmente quando resolviam fazer do Abrigo, em frente à catedral, seu refúgio momentâneo.

Essas figuras inesquecíveis nos lembram que, apesar de todas as limitações, sejam elas intelectuais ou sociais, todos têm algo a contribuir para o folclore de uma cidade. E, claro, o riso sempre foi a melhor maneira de acolher o que não se entende. A loucura, afinal, não é nada mais que um ponto de vista diferente – e, naquelas décadas, os pontos de vista abundavam nas esquinas de Estância.

 

 Genílson Máximo

Em 28 de julho de 2023

 

 

 


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