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Por Genílson Máximo — 24 de maio de 2025
Estância, essa joia do sul sergipano, parece ter saído das páginas de um romance de Jorge Amado — não por acaso, o escritor baiano se refugiou aqui nos anos 1930, fugindo da repressão do Estado Novo. Encantou-se. Disse que nosso povo era “o mais cordial do mundo” e, segundo os bastidores da literatura, teria se inspirado em figuras estancianas para criar personagens como Tieta e os jovens de Capitães da Areia.
E não é difícil entender o fascínio. Estância tem vocação pra tudo: indústria têxtil, agricultura, pecuária, produção de cítricos, festa junina com 30 dias de fogueira acesa, carnaval com escolas de samba — o único do interior sergipano —, berço da imprensa estadual, pioneira na radiodifusão do interior e sede de uma diocese que abrange mais de 15 municípios. Mas, se há algo que Estância produz como ninguém, é personagem.
Foi num daqueles dias de janeiro em que até a sombra da catedral sua, que conheci Popó. Moreno, risonho, com 1,60 m de estatura e uns dois metros de presença, Popó era engraxate e encantador de almas. Seu trono de trabalho era uma cadeira robusta, com assento estofado e rodinhas de madeira, que ele empurrava com ares de embaixador até a Praça Barão do Rio Branco, bem ali ao lado do Abrigo Belvedere, defronte da catedral.
Popó não lustrava apenas sapatos — polia egos, esfregava tristezas e dava brilho à monotonia do dia. Com uma escova numa mão e uma piada pronta na outra, atendia operários, empresários, políticos aposentados e beatas em campanha contra o pecado.
Mas o que o tornava uma lenda viva não era apenas o bom humor ou a destreza com a graxa. Era, digamos... um atributo anatômico que a natureza lhe concedera com escandalosa generosidade. O comentário era geral: a calça de Popó parecia mais uma embalagem malfeita de mortadela — daquelas vendidas por quilo, mas descritas em metros. Ele usava calças folgadas, talvez por estilo, talvez por necessidade.
As
beatas, ao vê-lo se aproximar, mudavam de calçada com a velocidade de quem
avista o cão em forma humana:
— “Credo em cruz! O diabo que o parta em picadinhos!”, cochichavam, fazendo o
sinal da cruz em modo turbo.
Popó ria. Ria com gosto, como quem já entendeu que
nasceu para ser personagem de crônica e de roda de bar. E não eram só as beatas
que se impressionavam com seus “dotes”. Um jovem cabeleireiro da Rua do
Gravatá, falante e espirituoso, não escondia sua admiração:
— “Menino, sonhei com Popó! Acordei tremendo da franja ao tornozelo. Ele vinha, todo de branco, me oferecendo uma escova — e não era de sapato...”, dizia, abanando-se com a tampa de um pote de laquê, arrancando gargalhadas do salão.
Ele jurava que era coisa do subconsciente, mas não
escondia o fascínio:
— “Tem gente que é marreta... Popó é marretão, minha filha!”
As piadas sobre Popó eram tantas que nem dava pra catalogar. Pela manhã inventavam uma, à tarde outra, e à noite, nas esquinas, ele já era tratado como lenda urbana. E era mesmo.
Como se não bastasse o carisma, Popó ainda frequentava, nos anos 80, os lendários cabarés da BR-101 — o de Gildo, o de Tomatinho, o Bambú de Cícero, o de Raimundo de Jacó e o da Ninha. Nos fins de semana, descia pro “inferninho” como quem vai trocar o óleo — e não era da graxa. Gastava boa parte do que ganhava alimentando prazeres carnais.
Mas ali,
no território do desejo, ele também era exceção. As meretrizes, ao vê-lo se
aproximar, topavam um uísque, uma dança, até um carinho. Mas, na hora do
"pega pra capar", batiam em retirada
— “Popó, não dá! Isso aí é arma de guerra... Não é pra uso civil!”
E ele ria. Sempre ria. Porque Popó era assim: de
dia, engraxava sapatos; de noite, fazia os cabarés temerem prejuízo. Um homem
dividido entre a vocação e a provação.
Parabólica News
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